quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Algumas considerações sobre a Teologia da Prosperidade

O dízimo: dar para receber

Deus não precisa de nosso dinheiro, porque dele é a prata e o ouro. Mas Ele precisa que nós o obedeçamos, para que possa nos abençoar. Há uma íntima relação entre dar e receber. Quanto mais damos, mais recebemos (Rodovalho, Robson. O milagre aconteceu. Goiás, Koinonia, s. d., p. 59.)

Na interpretação de certos pregadores brasileiros da Teologia da Prosperidade, o pecado cometido por Adão e Eva desfez a comunhão, a aliança ou a "sociedade" existente entre Deus e as criaturas humanas, tornando-as escravas do Diabo. Como Deus desejava voltar a ser "sócio" dos homens, mandou seu filho unigênito à cruz para expiar o pecado original. Entretanto, segundo Kenneth Hagin, o pai da matéria (e vários pastores brasileiros), Jesus não expiou os pecados da humanidade ao ter seu sangue derramado na cruz, mas sim quando, após sua morte, desceu ao inferno, recebeu a natureza satânica, experimentou a morte espiritual, sofreu durante três dias, renasceu e, por fim, conseguiu derrotar o Diabo em seu próprio território. Deste modo, foram necessários o sacrifício de Jesus na cruz e a sua vitória sobre o Diabo no inferno para o restabelecimento desta sociedade, na qual os homens, se cumprirem sua parte no contrato firmado na Bíblia por Deus, isto é, se pagarem fielmente o dízimo e exigirem o que a Palavra declara pertencer-lhes, tornam a adquirir o direito à "vida abundante". O pagamento do dízimo, que "existe desde a criação do homem", constitui o meio pelo qual os indivíduos podem refazer a "sociedade com Deus", habilitando-se a desfrutar das promessas bíblicas.

Ele [Jesus] desfez as barreiras que havia entre você e Deus e agora diz — volte para casa, para o jardim da Abundância para o qual você foi criado e viva a Vida Abundante que Deus amorosamente deseja para você [...] Deus deseja ser nosso sócio [...] As bases da nossa sociedade com Deus são as seguintes: o que nos pertence (nossa vida, nossa força, nosso dinheiro) passa a pertencer a Deus; e o que é d'Ele (as bênçãos, a paz, a felicidade, a alegria, e tudo de bom) passa a nos pertencer (Macedo, Edir. Vida com abundância. Rio de Janeiro: Universal Produções, 1990, pp. 25, 85, 86).

Deus não pode deixar de cumprir as promessas feitas aos homens contidas na Bíblia. O Criador não tem escolha senão cumprir o prometido. Presa às promessas que fez, a onipotência divina fica seriamente comprometida. Nesta sociedade, a parte que cabe aos homens consiste em pagar o dízimo, ter fé em Deus e na sua Palavra e profetizar as bênçãos divinas em sua vida. Enquanto a parte de Deus reside no pronto cumprimento de suas promessas (repreender o "devorador" e conceder bênçãos em abundância), das quais Ele, desde que satisfeitas as condições contratuais, em hipótese alguma pode se furtar. Nesta relação contratual em que Deus tem obrigações a cumprir, os homens, se têm deveres para com Ele, igualmente têm direitos. Na medida em que tem consciência de seus direitos, o fiel pode exigir de Deus o cumprimento deles. E é exatamente isto que ocorre. Com isso, além de ter sua soberania drasticamente diminuída, Deus torna-se vítima de frequentes manipulações por parte de seus sócios, até porque não pode se ver livre delas, a menos que "quebre sua Palavra", algo inimaginável na ótica desses crentes. Naturalmente, os pregadores da TP se defendem alegando que não determinam as ações de Deus, mas sim que ordenam ou exercem autoridade sobre o Diabo, em nome de Jesus, para que as promessas divinas se cumpram. Mesmo neste caso a soberania divina ainda permaneceria duplamente limitada: primeiro, pela ação do "grande adversário", segundo, pela necessidade de auxílio da determinação dos crentes para que suas promessas se cumprissem. Em suas práticas e mesmo em seus escritos, porém, transparecem afirmações que desabonam tal defesa.

Comece hoje, agora mesmo, a cobrar d'Ele tudo aquilo que Ele tem prometido [...] O ditado popular de que "promessa é dívida" se aplica também para Deus. Tudo aquilo que Ele promete na Sua Palavra é uma dívida que tem para com você [...] Dar dízimos é candidatar-se a receber bênçãos sem medida, de acordo com o que diz a Bíblia [...]
Quando pagamos o dízimo a Deus, Ele fica na obrigação (porque prometeu) de cumprir a Sua Palavra, repreendendo os espíritos devoradores [...] Quem é que tem o direito de provar a Deus, de cobrar d’Ele aquilo que prometeu? O dizimista! [...] Conhecemos muitos homens famosos que provaram a Deus no respeito ao dízimo e se transformaram em grandes milionários, como o sr. Colgate, o sr. Ford e o sr. Caterpilar (Macedo, Edir, op. cit., pp. 36, 54, 79, 84).

Fonte:

Ricardo Mariano, in: OS NEOPENTECOSTAIS E A TEOLOGIA DA PROSPERIDADE,  NOVOS ESTUDOS N.° 44,  MARÇO DE 1996, Pg. 33-35.