domingo, 31 de maio de 2015

SANTÍSSIMA TRINDADE

SANTÍSSIMA TRINDADE
É celebrada no primeiro domingo depois de Pentecostes como um olhar retrospectivo de uma ação de graças sobre todo o mistério salvífico que o Pai opera no Filho pelo Espirito Santo. É uma festividade que foi introduzida no Calendário Romano em 1334, pelo papa João XXII, e que ainda é celebrada. Há fatos históricos, na vida da Igreja que, em determinado tempo, foram motivos de apreensão e riscos contra a fé, por outro lado, esses riscos motivaram uma afirmação doutrinária consubstanciada no Plano de Salvação. Nos séculos III, IV e V surgiram controvérsias cristológicas e trinitárias, provocadas por heresias, como o Monarquianismo Modalista (ou Sabelianismo) do século III, afirmando que o Pai, Filho e Espírito Santo são simplesmente três aspectos ou manifestações da existência de uma só pessoa, Deus. Defendiam uma unidade de substância, negando as três Pessoas. Ário, que deu origem à heresia conhecida como arianismo, afirmava que Cristo era apenas homem, semelhante ao Pai, mas um ser criado. Cristo não tem alma, o Verbo substitui a alma. Heresia muito popular em seu tempo. Com essas heresias, defesa sistemática de tese ou doutrina errônea em face da doutrina dogmática da Igreja, a própria Igreja se vê na obrigação de afirmar os princípios da fé revelados na Sagrada Tradição e Sagrada Escritura, com a proclamação dogmática, depois de criterioso estudo. Foi o que aconteceu com os concílios de Nicéia em 335, Constantinopla em 381, Calcedônia em 451, e muitos Padres da Igreja, como Santo Atanásio, Basílio, Crisóstomo, Agostinho.
O Catecismo da Igreja Católica, no número 234, ensina que “o mistério da Santíssima Trindade é o mistério central da fé e da vida cristã. É o mistério de Deus em sim mesmo. Portanto é a fonte de todos os outros mistérios da fé. É a luz que os ilumina. É o ensinamento mais fundamental e essencial na hierarquia das verdades da fé”. Se quisermos chegar à fonte que nos alimenta, dando vigor espiritual para viver em plenitude o amor de Deus, basta seguir o caminho mais curto com a aproximação do Mistério Trinitário. Pois a fé católica consiste em venerar um só Deus na Trindade, e a Trindade na Unidade, sem confundir as Pessoas e sem separá-las.
Resumindo o mistério celebrado nos três ciclos anuais, A, B e C, encontramos nas leituras dominicais uma síntese: o amor salvador do Pai que entrega seu Filho por nós, que, por sua vez, confia aos seus discípulos a missão de pregar por todo o mundo, como resposta do mistério festivo, pois tudo o que ele recebeu do Pai é dado aos discípulos pelo Espírito da Verdade.
A CATEQUESE TRINITÁRA
Deus é Tri-Uno. É indivisível. É um, embora sejam três pessoas distintas uma das outras, mas um só Deus. É a Trindade. No ato da criação estava a Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. Mas, pelo relato bíblico, somente o Pai é manifestado, como acontece em todo o Antigo Testamento. Israel não conheceu a Trindade.
A revelação que Deus faz de si mesmo aos homens se dá paulatinamente e de forma progressiva, para que o homem possa assimilar e absorver o seu mistério. Deus não se revela totalmente, desde o começo. Dá tempo ao homem, em cada etapa da Revelação, para que ele possa responder ao seu gesto de amor. É a pedagogia de Deus. Este é o mistério do Deus que se manifesta como vemos no Catecismo da Igreja: “A Trindade é um mistério de fé, no sentido estrito, um dos ‘mistérios escondido em Deus, que não podem ser conhecidos se não forem revelados pelo alto’ (DS, 3015). Sem dúvida Deus deixou vestígios de seu ser trinitário na sua obra da Criação e na sua Revelação ao longo do Antigo Testamento. Mas a intimidade do seu Ser como Santíssima Trindade constitui um mistério inacessível à pura razão e até mesmo à fé de Israel antes da Encarnação do Filho de Deus e da missão do Espirito Santo” (CIC, n.237).
No Mistério Trinitário centraliza toda a vida da Igreja. A história da salvação só é compreendida na Trindade, onde há um Deus Criador, um Deus Salvador e um Deus Santificador: um Deus invisível em três Pessoas. Não são trêsindivíduos, mas três Pessoas inseparáveis. Não são três nomes, mas uma Trindade indivisível como vemos no mandato de Cristo: “batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo” (Mt 28,19).
A Trindade está impregnada em nossa vida como uma marca, um selo cravado no coração e na alma. Ela deveria ser mais consciente e abundante na devoção popular, não como um gesto repetitivo, mas enraizado e sensível. A Trindade está no nosso Batismo, pois foi com ela que entramos para a Igreja. Está no sinal que traçamos sobre nós ao fazermos o sinal da cruz. Está no início e no final de todas as nossas orações. Está nas nossas orações antes do trabalho. Está no começo e no final da Missa. Está em toda a doxologia: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo!

Fonte:

O tempo comum

O QUE É O TEMPO COMUM
Nesse tempo somos chamados a entrar no ministério de Cristo e da Igreja. É um tempo de evangelização e catequese por excelência, pois suas celebrações evocam o anúncio da Boa Nova de forma concreta e palpável, de “pé no chão”, como Cristo fazia em sua pedagogia catequética. “Além dos tempos referidos, que têm características próprias, há ainda trinta e três ou trinta e quatro semanas no ciclo do ano, que são destinadas não a celebrar um aspecto particular do mistério de Cristo, mas o próprio mistério de Cristo na sua globalidade, especialmente nos domingos. Este período é denominado Tempo Comum.
O Tempo Comum começa na segunda-feira a seguir ao domingo que ocorre depois do dia 6 de Janeiro e prolonga-se até à terça-feira antes da Quaresma inclusive; retoma-se na segunda-feira a seguir ao Domingo do Pentecostes e termina antes das Vésperas I do Domingo I do Advento. Para os domingos e os dias feriais deste tempo há uma série de formulários próprios, que se encontram no Missal e na Liturgia das Horas [1].
Nota-se que o Tempo Comum é divido em duas etapas. A primeira começa na segunda- feira depois do Batismo do Senhor e vai até a terça-feira que antecede Cinzas. A segunda etapa é retomada na segunda-feira depois do Pentecostes e termina no sábado que antecede o Primeiro Domingo do Advento.
Durante o Tempo Comum são incluídas algumas Solenidades do Senhor, de Nossa Senhora e memórias de santos, que trataremos em outro momento.
CONTEÚDO CATEQUÉTICO DO TEMPO COMUM
Seus temas são extraídos das leituras que estão distribuídos de acordo com o ano: A, dedicado o Evangelho de Mateus; B com os textos de Marcos e C, incluído e Evangelho de Lucas. Todos são baseados nas leituras dominicais. Ao passo que as leituras do Antigo Testamento estão correlacionadas com o Evangelho, para reforçar a unidade que existe ente o Antigo e o Novo Testamento, e tornando conhecidos os textos mais importantes do Antigo Testamento. Já as cartas dos Apóstolos são tiradas de Paulo e Tiago, ficando as de Pedro e João para a Páscoa e Natal, como regra geral. Também se usa a Carta aos Hebreus nos anos B e C. O último domingo de todas as leituras deste tempo culmina na mensagem de Cristo, “rei que foi prefigurado na pessoa de Davi, proclamado entre as humilhações da Paixão, reina na Igreja e há de vir uma segunda vez no final dos tempos.
Como indicação catequética, que deve ser aprofundada no Tempo Comum, tempo em que Cristo anuncia o Reino no Evangelho, funda e organiza a Igreja, é oportuno rever o Evangelho do primeiro dia desse ano, a segunda feira depois do Batismo de Jesus. Como exemplo tomamos o ano o B, quando nos é apresentado Cristo dando início ao seu ministério[2].
Nele podemos destacar para aprofundar a catequese: 1. Jesus, antes de agir, entra na intimidade com o Pai, pela oração. É um colóquio de revisão da ação, entregando sua missão aos cuidados do Pai, esvazia-se, primeiro, para depois, trabalhar. Seria quase que rever os planos divinos, marcando as diversas etapas do ministério. Podemos dizer que Jesus faz um “retiro”. É o que está antes do trecho escolhido para o Evangelho do dia (Mc 1, 12). 2. Depois que o precursor encerra sua missão, sendo preso, Jesus começa a trabalhar para implantar o Reino de Deus entre os homens, proclamando que o tempo já chegou, é aqui e agora. Não pode deixar para amanhã. A precondição para fazer parte deste Reino é “arrepender e crer no Evangelho” (v.15). Arrepender é reconhecer-se pecador que necessita de mudança de vida. Não se muda e continua do mesmo jeito. Para fazer parte do Reino de Deus é necessário deixar tudo para começar nova vida. 3. Escolhe pessoas simples para, com elas, fundar sua Igreja (vv. 16-20).
Podemos ver que a Igreja é divina, pois foi instituída por Deus, Jesus Cristo é Deus, e ao mesmo tempo humana, fraca, na pessoa de pescadores. Jesus, ao escolher os primeiros apóstolos, dá a marca da Igreja, que é o seu selo até hoje e sempre será:
seguimento, mudança de rumo, abandono, como vemos no chamado dos discípulos.
A catequese só se torna educadora da fé, alimentadora da esperança, prática do amor se provar radical transformação de vida, por isso não pode ser um verniz que fica na casca, mas verdade que penetra nos ossos do ser.
A catequese com o Tempo Comum conduz sempre ao mistério do Reino, em Jesus Cristo, e na sua alma, que é a Igreja.
[1] Instrução Geral ao Missal Romano e Introdução ao Lecionário, nn.43-44 – CNBB, 2011.
[2] Mc 1, 14-20

Fonte:

sábado, 16 de maio de 2015

Demitologização da Bíblia?

Para Bultmann a Teologia de cada época precisa ser contextualizada, tentando compreender o Kerigma, ou seja, a mensagem revelada, bem como traduzi-la tornando-a bem atual. Bultmann observa a teologia como ultrapassada, precisando ser atualizada e revaliar os conceitos em relação ao que ele considera mito: anjos, demônios, céu, inferno. Ele tenta desmitizar todo conceito segundo ele, ultrapassado e inadequado para este tempo. Isso tornou se um obstáculo até para a credibilidade da própria mensagem revelada, colocando a mesma sob suspeita.

Segundo Bultmann a teologia precisa se render à história, à hermenêutica e a filosofia, na tentativa de compreender questões obscuras da própria teologia no que diz respeito ao que considera mito. Ele descobre também que na própria história existe um número insuficiente de verdades que sejam discutíveis.

Na aplicação dos três princípios expostos à vida de Jesus e ao Novo Testamento dá três resultados. Por exemplo: Do princípio da dificuldade de alcançar conclusões seguras através da investigação histórica deriva que “nós não podemos, por assim dizer, saber mais nada da vida e da personalidade de Jesus, seja por que as fontes cristãs não se interessam por isso, seja porque não existe outras fontes sobre Jesus”. Porém essa situação, na concepção de Bultmann, não justifica o ceticismo, mesmo porque antes de mais nada “o fato de duvidar que Jesus tenha verdadeiramente existido não tem nenhum fundamento e não merece nem mesmo ser refutado. É indiscutível que Jesus encontra-se na origem do movimento histórico de que a comunidade Palestina primitiva representa.”

Bultmann tenta fazer com que compreendamos os fatos históricos sem dar relevância extraordinário, mas estudar a vida simplória da pessoa. No caso de Jesus, ele não abre mão de um conceito que não se deve desprezar em sua mensagem, pois a mesma nos revelará uma nova compreensão da nossa existência. Para mim aqui há um ponto de contradição. Como alguém pode estudar a vida de Jesus, por exemplo, e reduzi-lo simplesmente a um ser histórico sem considerar as suas obras, e dizer que a sua mensagem tem relevância para a compreensão da nossa existência?

Mais uma vez Bultmann afirma que o sucesso do cristianismo se deve a nova compreensão da existência humana pregada por Cristo. Também é voltado para a hermenêutica dos textos sagrados para se efetuem a sua correta compreensão.
Em estreita conexão com o problema histórico encontra-se o problema hermenêutico. Onde esse por sua vez revela melhor do que qualquer outro, os três grandes momentos do desenvolvimento do pensamento teológico de Bultmann. No primeiro, o da passagem da teologia liberal para a teologia dialética, temos a elaboração de um novo método exegético, que é o método histórico-morfológico (Formgeschichte). No segundo, toda a passagem da teologia dialética para a teologia existencialista, encontramos o reconhecimento de uma “pré-compreenção” do texto por parte do exegeta. No terceiro, o da demitização, temos uma nova e mais radical formulação das funções da hermenêutica.

O método histórico-morfológico conserva alguns elementos do método histórico-crítico da teologia liberal, mas possui dois elementos novos, muito importantes: um diz respeito à natureza do objeto, o outro do modo de abordá-lo. No método histórico-morfológico, o objeto da investigação não é mais o Cristo em si mesmo, mas o Cristo como parecia para a comunidade primitiva.

Para o uso correto desse método, Bultmann ressalta de um lado a importância de fixar para cada elemento, o lugar de aparecimento e o ponto de inserção na comunidade, o que era chamado de ser “sitz im lebem”, e por outro lado ressalta a importância de enquadrar cada elemento no gênero literário apropriado. Logo a exegese neotestamentária se assenhorou do método histórico-morfológico, cujo uso fez com que realizasse notáveis progressos. Mas muito exegetas empregavam-no do mesmo modo como a escola liberal utilizara o método crítico, com a presunção de obter resultados “objetivos”, ou seja, tradições e representações naturalistas e atemporais de Cristo.

Mas logo que se converteu à filosofia existencialista de Heidegger, Bultmann apressou-se em protestar contra esse utilização da exegese histórico-morfológica e de qualquer exegese em geral. Então ele proclamou que não é possível uma verdadeira compreensão do texto bíblico, como do resto de qualquer texto, sem uma pré-compreenção existencial.

Bultmann declara que na pré-compreenção existencial, não se pode considerar o texto como uma coleta de informações, nem como uma descrição de algo qualquer. Bultmann diz que é preciso interrogar o texto. Quem quer compreender deve Ter uma disposição de pesquisa, de quem interroga, de quem está pronto para ouvir. O teólogo de Marburg, chama esse conjunto de disposição de “pré-compreenção”, como já haviam feito os estóicos e Clemente de Alexandria. “Se os textos não são interrogados, permanecem mudos.” A essas disposições gerais exigidas para a compreensão de qualquer texto, Bultmann acrescenta no caso da Bíblia também uma disposição especial, relacionada com a existência de Deus. E afirma que a pré-compreenção deve Ter um caráter existencial.

Quando examinamos o pensamento de Bultmann sobre a história e a hermenêutica, já vimos que para ele o teólogo não prescindir da filosofia. À dificuldade de que nessa concepção a exegese, a história e, consequentemente, também a teologia podem cair sob o controle da filosofia, Bultmann que na realidade assim é: “mas é preciso perguntar-se de eu modo deve ser entendido. Com efeito, é ilusório pretender que uma exegese possa ser independente das representações mundanas. Todo interprete consciente ou inconscientemente, depende das representações que herdou de uma tradição; e toda tradição se subordina à uma filosofia, qualquer que seja.

Bultmann passa então à demonstração de que hoje, a filosofia “justa”, aquela que assegura uma pré-compreenção apta a entender o fenômeno histórico do cristianismo e os textos bíblicos, é o existencialismo. Aqui, devemos ver bem claro que nunca haverá uma filosofia justa no sentido de um sistema filosófico absolutamente perfieto, capaz de responder à todas as questões e resolver todos os enigmas da existência humana. A questão reside apenas em saber qual é a filosofia que hoje oferece as perspectivas e os conceitos mais apropriados para a compreensão da existência humana.

Para compreender corretamente o pensamento de Bultmann, é preciso notar que ele considera que a filosofia não está em condições de descobrir o pecado. Por isso afirma que a filosofia pode considerar como transponível o abismo que separa vida inautêntica da vida autentica.

Segundo Bultmann, o existencialismo presta-se admiravelmente à interpretação da Escritura, não só por sua pré-compreenção da existência humana em geral, mas também por sua concepção do homem em suas características específicas. Segundo o existencialismo, o homem distingue-se das outras criaturas porque, diversamente delas, não é algo finito, verificável, tangível mas sim uma mina de possibilidades, as quais fazem de sua vida uma vida de decisões. A existência humana é uma luta perene entre vida inautêntica e vida autêntica. A plenitude e a completeza da vida só podem ser alcançadas quando se aceita e vive para extrema possibilidade, a morte.

Ora, segundo Bultmann, partindo desta concepção do homem, o kerygma cristão é plenamente inteligível. O cristianismo fala de homem velho e de homem novo, de queda e redenção, de possibilidades e decisões. Por esta razão, deve-se considerar o existencialismo a filosofia “justa”, que oferece as representações apropriadas para a interpretação da Bíblia.

Há ainda uma última razão pela qual, Bultmann vê no existencialismo um instrumento indispensável para a teologia contemporânea: só o existencialismo oferece categorias adequadas para operar a demitização da mensagem cristã que ele considera ser hoje a tarefa máxima da teologia. Por isso ele disse: “Pretendo ater-me ao existencialismo até que alguém me faça conhecer um método exegético melhor.”

Rudolf Bultmann é hoje um referencial par todos os teólogos, filósofos e exegetas que falam de mito ou demitização. No seu ensaio intitulado “Jesus Cristo e Mitologia”, Bultmann oferece uma grande análise e crítica sobre demitização.
Dentro deste campo da demitização, ou, como chama-se um de seus livros, Demitologização , o ponto de partida é a distinção entre a essência e a estrutura das Escrituras Sagradas. Para Bultmann, a essência permanece imutável, enquanto que a forma estrutural da mensagem bíblica pode variar de geração para geração.

Para Bultmann, os crentes do primeiro século tinham uma mentalidade mítico-metafísica, fazendo com que todos os seus textos fossem, e tivessem, um fundo mítico e metafísico. Um exemplo disso, segundo Bultmann, seria a mentalização metafísica que, quando é exteriorizada, tem o nome de anjos quando se trata de um bom impulso, e demônio quando se trata de um impulso mal.

O porque de Bultmann procurar demitizar a mensagem cristã não está em eliminar o texto, mas interpretá-lo. Para Bultmann, é impossível e totalmente sem sentido a imagem mítica do mundo nos nossos dias, na realidade em que vivemos. Para ele o homem moderno não pode reconhecer como verdadeiro esta imagem mítica do mundo formulada no passado, sem quase nenhum pensamento científico. Na visão de Bultmann, todos os relatos sobre a plenitude dos tempos ser no momento em que o Filho do Homem vem ao mundo, a idéia e as representações da escatologia, da redenção. Para ele todas estas idéias são ultrapassadas e superadas, não na sua essência mas na sua estrutura.

Segundo Bultmann, a demitização é iniciada já nas Epístolas Paulinas e pelo evangelista João. Para ele, enquanto a comunidade cristão conservava a pregação mítica de Cristo, Paulo e, principalmente João, começam ­— segundo ele — “em boa hora” a demitização, demitizando assim o primeiro a virada do velho mundo para o novo mundo, e João todo o processo escatológico.

Enfim, toda a tentativa de Bultmann de demitizar a mensagem cristã se deu na intenção de mostrar que a mensagem cristã se deu na intenção de mostrar que a mensagem bíblica está ligada a uma visão antiga e ultrapassada do mundo atual, fazendo-se assim necessário a demitização, para que na leitura especulativa racional do homem moderno e inteligente, toda a palavra da cruz não seja um escândalo, mas somente o que ela é.

Contudo, toda a teologia de Bultmann é de difícil aceitação, principalmente pelo contraste em que há entre o seu moderno pensamento racional e as mais puras característica da fé. Para Bultmann, a demitização é intencionada para manter pura a mensagem revelada e também o seu entendimento. Para ele, em alguns momentos, essa mensagem correu o risco de perder todo o seu sentido devido “poluição” ocasionada pela introdução de elementos estranhos que estavam trazendo, segundo ele, perigo à eficácia da mensagem. Para ele, na briga entre a fé e a razão, quem sai vencendo é a razão.

Concluindo, poderíamos dizer que toda a demitização bultmanniana está baseada na firme crença de que toda a historicidade e todo o sobrenatural faz parte da estrutura, da forma, e nunca da essência da revelação; os cristãos primitivos tinham em função disso uma visão mítico e metafísica, que não deixa de ser científica filosófica natural de seu tempo, e q eu hoje, debaixo de toda uma visão racional, inteligente e capaz de demitizar, deve ser reinterpretar para a preservação da pura mensagem cristã.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

GRANDES TEÓLOGOS DO SÉCULO VINTE.
DEMITOLOGIZAÇÃO: Coletânea de ensaios. Rudolf Bultmann 



sábado, 2 de maio de 2015

Comentário do título Bom Pastor atribuído a Jesus

Jesus é o Bom Pastor que veio para que todos tenham vida em abundância. O pastor era a imagem e o símbolo do líder. Jesus diz que muitos se apresentavam como pastor, mas na realidade eram ladrões e assaltantes. Hoje acontece a mesma coisa. Muitas pessoas se apresentam como líderes, mas na realidade são ladrões e assaltantes, pois, em vez de servir, buscam os seus próprios interesses. E, às vezes, têm uma fala tão mansa e fazem uma propaganda tão inteligente, que conseguem enganar o povo.

Situando
 
    1. O discurso sobre o Bom Pastor traz três comparações ligadas entre si:

a) pastor e assaltante (Jo 10,1-5);

b) comparação: Jesus é a porteira das ovelhas (Jo 10,6-10);

c) comparação: Jesus não é simplesmente um pastor, e sim o Bom Pastor

(Jo 10,11-18).

    2. Temos aqui outro exemplo de como foi escrito o Evangelho de João.

O discurso de Jesus sobre o Bom Pastor (Jo 10,1-18) é como um tijolo inserido numa parede já pronta. Com ele a parede ficou mais forte e mais bonita. Imediatamente antes, em Jo 9,40-41, João falava da cegueira dos fariseus. A conclusão natural desta discussão sobre a cegueira está logo depois, em Jo 10,19-21. Ora, o discurso sobre o Bom Pastor foi inserido aqui, porque, como veremos, ensina como tirar esse tipo de cegueira dos fariseus.
Comentando

    1. João 10,1-5: 1ª Imagem: entrar pela porteira e não por outro lugar

Jesus inicia o discurso com a comparação da porteira: “Quem não entra pela porteira, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante! Quem entra pela porteira é o pastor das ovelhas!” Para entender esta comparação, temos que lembrar o seguinte. Naquele tempo, os pastores cuidavam do rebanho durante o dia. Quando chegava a noite, levavam as ovelhas para um grande redil ou curral comunitário, bem protegido contra ladrões e lobos. Todos os pastores de uma mesma região levavam para lá o seu rebanho. Um porteiro tomava conta durante a noite. No dia seguinte, de manhã cedo, o pastor chegava, batia palmas na porteira e o porteiro abria. O pastor entrava e chamava as ovelhas pelo nome. As ovelhas reconheciam a voz do seu pastor, levantavam e saíam atrás dele para a pastagem. As ovelhas dos outros pastores ouviam a voz, mas não se mexiam, pois era uma voz estranha para elas. De vez em quando, aparecia o perigo de assalto. Ladrões entravam por um atalho ou derrubavam a cerca do redil, feita de pedras amontoadas, para roubar as ovelhas. Eles não entravam pela porteira, pois lá havia o guarda que tomava conta.

    2. João 10,6-10: 2ª Imagem: Jesus é a porteira

Os ouvintes, os fariseus (Jo 9,40-41), não entenderam o que significava “entrar

pela porteira”. Jesus então explicou: “Eu sou a porteira das ovelhas. Todos os que vieram antes de mim eram ladrões e assaltantes.” De quem Jesus está falando nesta frase tão dura? Provavelmente, se referia a líderes religiosos que arrastavam o povo atrás de si, mas que não respondiam às esperanças do povo. Não estavam interessados no bem do povo, e sim no próprio bolso e nos próprios interesses. Enganavam o povo e o deixavam na pior. Entrar pela porteira é o mesmo que agir como Jesus agia. O critério básico para discernir quem é pastor e quem é assaltante, é a defesa da vida das ovelhas. Jesus pede para o povo tomar a iniciativa de não seguir o fulano que se apresenta como pastor, mas não busca a vida do povo. É aqui que ele disse aquela frase que até hoje cantamos: “Eu vim para que todos tenham vida, que todos tenham vida plenamente!” Este é o critério.

    3. João 10,11-15: 3ª Imagem: doar a vida pelas ovelhas

Jesus muda a comparação. Antes, ele era a porteira das ovelhas. Agora, diz que é o pastor. Todo mundo sabia o que era um pastor e como ele vivia e trabalhava. Mas Jesus não é um pastor qualquer, e sim o Bom Pastor! A imagem do bom pastor vem do  AT.  Dizendo  que  é  o  Bom  Pastor,  Jesus  se  apresenta  como  aquele  que vem  realizar  as  promessas  dos  profetas  e  as  esperanças  do  povo.  Há  dois pontos em que ele insiste. Na defesa da vida das ovelhas: o bom pastor dá a sua vida. No mútuo entendimento entre o pastor e as ovelhas: o pastor conhece as suas ovelhas e elas conhecem o pastor. Assim, para quem quer vencer sua cegueira é importante conferir a própria opinião com a do povo. Era isso que os fariseus não faziam. Eles desprezavam as ovelhas e chamavam-nas de povo maldito e ignorante (Jo 7,49; 9,34). Jesus, ao contrário, dizia que no povo há uma percepção infalível para saber quem era o bom pastor. Os fariseus pensavam ter o olhar certo para discernir as coisas de Deus. Na realidade eram cegos. O discurso sobre o Bom Pastor ensina duas regras de como tirar este tipo de cegueira. 1) Prestar muita atenção na reação das ovelhas, pois elas reconhecem a voz do pastor. 2) Prestar muita atenção na atitude daquele que se diz pastor para ver se o interesse dele é a vida das ovelhas, sim ou não, e se ele é capaz de dar a vida pelas ovelhas.

    4. João 10,16-18: A meta aonde Jesus quer chegar: um só rebanho e um só pastor

Jesus abre o horizonte e diz que tem outras ovelhas que não são deste redil. Elas ainda não ouviram a voz de Jesus, mas quando a ouvirem, vão perceber que ele é o pastor e vão segui-lo. Aqui transparece a atitude ecumênica das comunidades do Discípulo Amado, de que falamos na Introdução.
Alargando

A imagem do pastor na Bíblia

Na Palestina, a sobrevivência do povo dependia em grande parte da criação de cabras e ovelhas. A imagem do pastor guiando suas ovelhas para as pastagens era conhecida por todos, como hoje todos conhecem a imagem do motorista de ônibus. Era normal usar a imagem do pastor para indicar a função de quem governava e conduzia o povo. Os profetas criticavam os reis por serem maus pastores que não cuidavam do seu rebanho e não o conduziam para as pastagens (Jr 2,8; 10,21; 23,1-2). Esta crítica dos maus pastores cresceu na mesma medida em que, por culpa dos reis, o povo foi levado para o cativeiro (Ez 34,1-10; Zc 11,4-17).

Diante da frustração sofrida com os desmandos dos maus pastores, aparece a comparação com o verdadeiro pastor do povo, que é o próprio Deus: “O Senhor é meu pastor nada me falta!” (Sl 23,1-6; Gn 48,15). Os profetas esperam que, no futuro, Deus venha, ele mesmo, como pastor guiar o seu rebanho (Is 40,11; Ez 34,11-16). E esperam que, desta vez, o povo saiba reconhecer a voz do seu pastor: “Oxalá ouvísseis hoje a sua voz!” (Sl 95,7). Esperam que Deus venha como Juiz que fará o julgamento entre as ovelhas do rebanho (Ez 34,17). Surgem o desejo e a esperança de que, um dia, Deus suscite bons pastores e que o messias seja um bom pastor para o povo de Deus (Jr 3,15; 23,4).

Jesus realiza esta esperança e se apresenta como o Bom Pastor, diferente dos assaltantes que roubavam o povo. Ele se apresenta também como o Juiz do povo que, no final, fará o julgamento como um pastor que sabe separar as ovelhas dos cabritos (Mt 25,31-46). Em Jesus se realiza a profecia de Zacarias que diz que o bom pastor será perseguido pelos maus pastores, incomodados pela denúncia que ele faz: “Vão bater no pastor e as ovelhas se dispersarão!” (Zc 13,7). No fim, Jesus é tudo: é a porteira, é o pastor, é o cordeiro!