(Do tradicional canto dos
“Lamentos do Senhor” da Sexta-feira da Paixão)
Deus é bom! E aplicar o adjetivo “bom” a
Cristo nada mais é do que reconhecê-lo como imagem do Deus invisível, isto é,
atestar nossa fé na divindade de Jesus, Filho Unigênito do Pai. O próprio Jesus
nos desafia, como aquele homem rico do Evangelho, a perceber que Ele é Deus; e,
se Deus é bom, o Cristo é a bondade do Pai entre nós, o BOM Jesus: “Só Deus é bom, e ninguém mais”
(Lc 18,19). A bondade divina revelada em Jesus, o Senhor, enviado pelo Pai
para dar a vida em benefício de nossa humanidade pecadora, levou o povo de
Deus, em sua sábia piedade, a chamá-lo de SENHOR BOM JESUS.
Surge, então, a devoção popular ao
Cristo da Paixão, Servo Sofredor, com grande ressonância em Portugal, na
Espanha, na Itália e, mais tarde, a partir do período colonial, na América
Latina. Daí decorrem inúmeros “títulos” acrescidos à invocação “Senhor Bom
Jesus”, recordando os momentos de seu martírio: a agonia (Senhor Bom Jesus do
horto, das oliveiras); a flagelação (da coluna, da pedra fria, da paciência); a
sua apresentação por Pilatos ao povo com a expressão latina “Ecce homo” – “Eis
o homem!” – (da cana verde, do livramento, dos aflitos, da boa sentença, da
prisão, Santo Cristo dos milagres); o caminho para o Calvário (dos Passos); a
crucificação (do bonfim, da lapa, de matosinhos, da boa morte, do descimento,
da pobreza, da agonia, dos remédios, dos montes) e, finalmente, o sepultamento
(Senhor Morto). Evidentemente, todas as representações iconográficas (imagens)
desses “títulos” do Senhor Bom Jesus apresentam suas particularidades e aludem
ao episódio bíblico que retratam ou aos atributos e adornos que o Cristo traz
ou com os quais é revestido (o manto de cor púrpura, a cana e a coroa de
espinhos, por exemplo). A invocação, ainda, pode conter o nome dos lugares onde
a devoção se desenvolveu: Cangaíba, Brás, Jd. das Oliveiras, Guarulhos,
Pirapora, Iguape, Tremembé, Perdões, Itu, Arujá, Mairiporã, Paranapiacaba,
Lapa, Bonfim, Matosinhos, Açores, Braga, Buga etc. Fogem a essas
características que evocam o drama da Sexta-feira Santa o “Senhor Bom Jesus de
Nazaré” e algumas imagens do “Senhor Bom Jesus dos Navegantes”.
As devoções e as imagens do Cristo
sofredor, tão evidentes no período quaresmal e nas solenidades da Semana Santa,
ganham visibilidade também fora desse tempo, quando se dão as Festas em honra
do Senhor Bom Jesus, que, embora cultuem a Paixão do Salvador, estão
desprovidas daquele espírito de recolhimento e luto próprio desde as Cinzas até
a Sexta-feira Santa. Pelo contrário, tais Festas revestem-se de um efusivo
sentimento de alegria popular (por vezes até se distanciando do religioso e “esbarrando”
naquilo que é profano durante as comemorações de rua).
Com raras exceções, as Festas do Senhor
Bom Jesus, tão tradicionais e cheias de lendas, “causos” e pagamento de
promessas, se dão aos 06 de agosto ou aos 14 de setembro. E há razões
teológicas para isso, além, é claro, de uma série de motivações históricas. 06
de agosto é a Festa Litúrgica da “Transfiguração do Senhor”. Ora, a
Transfiguração de Cristo já prefigurava a sua Ressurreição, mas era necessário
que Ele, primeiramente, passasse pela paixão e morte que teriam lugar em
Jerusalém, tal como conversavam Elias e Moisés com o Mestre no Monte Tabor.
Isso nos permite estabelecer uma correlação entre o Cristo glorioso
(transfigurado) e o Cristo padecente (desfigurado) – o “Senhor Bom Jesus”. Já em
14 de setembro, é celebrada a Festa Litúrgica da Exaltação da Santa Cruz. Por
razões óbvias, a essência dessa comemoração da Liturgia vai ao encontro do
culto popular ao Cristo crucificado, o “Senhor Bom Jesus”. Ademais, o Senhor
Bom Jesus dos Passos e o Senhor Morto são reverenciados, mormente, durante as
procissões quaresmais ou da Semana Santa.
Acorramos, pois, peregrinos e
penitentes, em romarias ou solitariamente, às catedrais, às basílicas, aos
santuários, às matrizes, às capelas e aos altares dedicados ao Senhor Bom
Jesus, por vezes erigidos em regiões altaneiras, mais próximas do céu e
convidativas à oração! E diante das suas venerandas imagens, comumente
milagrosas (como em Pirapora, Iguape, Tremembé, Perdões ou Monte Alegre do
Sul), encontremos, apesar de suas feições tão queixosas e agonizantes, a
bondade de Deus feito homem, que, tendo passado pela cruz nesta vida,
conforta-nos, acolhe ternamente e dá esperança, a nós que também padecemos
neste mundo, recordando-nos que, com Ele, chegaremos à Ressurreição! Eis aí
fascínio que o Senhor Bom Jesus exerce sobre seu povo mais oprimido, todavia
cheio da alegria do Evangelho!
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