segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Desejo mimético - René Girard - Antropologia Teológica

Segundo René “Girard, os comportamentos sociais são mimeticamente transmitidos. Aprendemos a desejar os mesmos objetos desejados por alguém que tomamos como modelo”. A rivalidade mimética é produto do desejo mimético e se converte em círculo vicioso quando o imitador “se transforma em modelo de seu modelo e assim sucessivamente, numa simetria cada vez mais abrangente”.

O que é o desejo mimético ao qual se refere René Girard?

No seu primeiro livro, Mensonge romantique, verité romanesque, Girard chamava a atenção para a “mentira romântica”, questionava a crença absoluta no individualismo, sobretudo em relação ao objeto do desejo. Segundo Girard, não desejamos algo ou alguém porque somos seduzidos diretamente pelo objeto. Ao contrário, desejamos esse objeto porque ele é desejado ou possuído por alguém que temos como modelo. Tal relação é, na maioria das vezes, inconsciente. O desejo faz parte da natureza humana. O desejo é mimético, ou seja, não é único ou original, é socialmente determinado, desejo aquilo que o outro deseja. As relações humanas são mediadas pela presença constitutiva de um “outro”. A verdade romanesca representa o reconhecimento de que o amor à primeira vista é sempre de segunda mão.

Desejos em conflito

Segundo Girard, os comportamentos sociais são mimeticamente transmitidos. Aprendemos a desejar os mesmos objetos desejados por alguém que tomamos como modelo. Assim, criamos uma área potencial de conflito, já que estaremos envolvidos na disputa do mesmo objeto e, desse modo, o modelo se transformará em rival. As crises miméticas são destrutivas porque envolvem toda a comunidade e não apenas indivíduos isolados. No auge da crise, não haverá mais diferença entre sujeito e modelo, entre imitador e imitado, pois, disputando o mesmo objeto, transformaram-se todos em adversários. O desejo mimético desencadeia a rivalidade mimética, num círculo vicioso em que o imitador se transforma em modelo de seu modelo e assim sucessivamente, numa simetria cada vez mais abrangente.

Segundo Girard, o conflito, que gera a violência, é constitutivo do ser humano. Ele enfatiza a inevitabilidade da violência mimeticamente engendrada. Trata-se de reconhecê-la, aprender a lidar com ela, dominá-la, circunscrever sua atuação, dirigi-la para um alvo aceitável para o grupo social, papel fundamental exercido pelo sacrifício que reveste diferentes roupagens nas diferentes culturas e, na maioria das vezes, pertence à esfera da religião, ao domínio do sagrado. O sistema baseado no mecanismo do bode expiatório, que assumirá todas as culpas, canalizando para si a violência dispersa na sociedade, possui uma dimensão religiosa. Seu sacrifício provocará uma catarse coletiva, restaurando a serenidade e a estabilidade anteriores à crise. Girard se refere a esse mecanismo como mecanismo do bode expiatório, mecanismo vitimador ou mecanismo mimético.

Eis a expressão de René Girard fale por nós:

“Minhas ideias estão bem mais próximas às de Kierkegaard do que foi visto nas entrevistas que dei e nos artigos escritos sobre minha obra. Para mim, o desejo do impossível e o não-desejo ainda estariam de acordo com mecanismos miméticos. Kierkegaard constatou, em sua análise dos três estágios do ser, a presença de um homem que se escora no outro. Possuindo um vazio existencial aterrador, ele procura na observação do outro, do que o outro possui, do que o outro aparenta, uma forma de saber quem é e como sentir-se pleno. Portanto, para ser ele mesmo, este homem necessita tomar conhecimento do outro, como no mecanismo do desejo mimético, onde este desejo somente se faz possível pela intermediação do que é e deseja um outro”.

Haveria a possibilidade de se interromper o ciclo de violência?


Tanto para Girard quanto para Kierkegaard, no cristianismo, quebra-se o ciclo da violência. No cristianismo trata-se do verdadeiro Deus, uma divindade não violenta que precisa tornar-se vítima, e não o Deus violento da religião arcaica. Cristo oferece a outra face e redime seus algozes. Não busca vingança, não derrama mais sangue. É pela cruz, pelo amor, que se dá a interrupção do ciclo de violência. O cristianismo mostrou que a sociedade humana produzia vítimas únicas. A crucificação desobstruiu o caminho para o entendimento do processo da vítima expiatória. “Jesus salva porque o solapamento do mecanismo do bode expiatório por ele provocado é, em primeiro lugar, a oferta do Reino de Deus, ou seja, de uma existência inteiramente livre da violência”.

Fonte:

sábado, 13 de setembro de 2014

Reflexão para a Festividade de Nossa Senhora das Dores

"O olhar de Maria sobre o mundo contemporâneo" convida a refletir, por assim dizer, com o olhar da Virgem Santa sobre as vicissitudes felizes e tristes do nosso tempo. O olhar de Maria fixa antes de tudo a Santíssima Trindade no mistério de amor inefável que une indissoluvelmente as três Pessoas divinas. Contemplando o Pai, o Verbo e o Espírito Santo, a Virgem sente-se como que projetada para a humanidade, para exercer, em relação a cada ser humano, a missão materna que lhe foi confiada pelo Filho crucificado (cf. Jo 19, 25-27). Maria vela sobre o mundo, onde os seus filhos, tendentes para a pátria bem-aventurada, percorrem o caminho da fé entre muitos perigos e afãs (cf. Lumen gentium, 62).

A Virgem Santa torna-se presente, como mãe solícita, "ao longo desta caminhada-peregrinação eclesial, através do espaço e do tempo e, mais ainda, através da história das almas" (Redemptoris Mater, 25). Ao seu olhar materno não passa despercebida qualquer situação da Igreja, de cada fiel individualmente e de toda a família humana.

Comemorando a coroação da imagem de Nossa Senhora das Dores, reparamos especial e naturalmente no "olhar" que a Virgem, presente no Calvário, dirige para Cristo Crucificado, o qual, do alto da Cruz, a convida a abrir o seu coração materno ao discípulo amado: "Mulher, eis aí o teu filho" (Jo 19, 26). Naquele momento, depois de ter partilhado a paixão do Unigénito, a Mãe de Deus torna-se Mãe de João, Mãe de toda a humanidade (cf. Jo 19, 26-27).

Maria, com o coração trespassado pela lança do sofrimento, encoraja-nos a reanimar a fé n'Aquele que nos salvou, derramando o seu sangue precioso por todos os homens; indica-nos Jesus como o único Salvador predito e anunciado desde o nascimento como "luz para se revelar às nações e glória de Israel" (Lc 2, 32).

Então, podemos dizer que a Virgem das Dores é, num certo sentido, "causa de salvação para si e para todo o género humano" (S. Ireneu, Contra as heresias, III, 22, 4). O seu amor materno serve-nos de estímulo para abrirmos o coração aos sofrimentos do próximo e sobretudo dos que procuram respostas válidas para as questões profundas da existência.


Que a Virgem Santa nos ajude a compreender a maneira de testemunhar na vida quotidiana a própria fé em Cristo e os meios adequados para trabalhar eficazmente na difusão do Evangelho, permanecendo sempre fiel às inspirações do Espírito Santo e disponível para cumprir a vontade do Senhor.

IGREJA CELEBRA NOSSA SENHORA DAS DORES

Aproveitamos a ocasião para repercorrer algumas reflexões de Bento XVI sobre Nossa Senhora das Dores.

Aos pés da Cruz, diante de Jesus, Maria une a sua dor à de seu Filho e nos mostra que o amor de Deus é mais forte do que a morte. A sua dor é uma "dor cheia de fé e de amor" – ressalta Bento XVI:

"A Virgem no Calvário participa da potência salvífica da dor de Cristo, unindo o seu "fiat", o seu "sim", ao do Filho." (Angelus de 17 de setembro de 2006)

Diante do sofrimento do Filho, Maria confia em Deus. Sabe que na Cruz Jesus derramou todo o seu sangue para libertar a humanidade da escravidão do pecado:

"A Virgem Maria, que acreditou na Palavra do Senhor, não perdeu a sua fé em Deus quando viu o seu Filho rejeitado, ultrajado e colocado na Cruz. Permaneceu diante d'Ele, sofrendo e rezando, até o fim. E viu o alvorecer radioso da sua Ressurreição." (Angelus de 13 de setembro de 2009)

Maria nos ensina que "quanto mais o homem se aproxima de Deus, mais se aproxima dos homens" – observa o pontífice. O fato de Maria, na hora da Cruz, ter permanecido "totalmente junto a Deus, é a razão pela qual se faz também tão próxima dos homens":

Por isso pode ser a Mãe de toda consolação e de toda ajuda, uma Mãe à qual em qualquer necessidade qualquer um pode dirigir-se em sua fraqueza e em seu pecado, porque ela acolhe todos e para todos é força aberta da bondade criativa." (Santa Missa de 8 de dezembro de 2005)

O Santo Padre convida-nos a contemplarmos Maria, aos pés da Cruz, "associada intimamente à missão de Cristo e co-participante da obra de salvação com a sua dor de Mãe":

"No Calvário Jesus a doou a nós como mãe e confiou-nos a ela como filhos. Que Nossa Senhora das Dores nos conceda o dom de seguir o seu Filho divino crucificado, e abraçar com serenidade as dificuldades e as provações da existência humana." (Discurso às monjas clarissas, 15 de setembro de 2007) (RL)