Segundo René “Girard, os
comportamentos sociais são mimeticamente transmitidos. Aprendemos a desejar os
mesmos objetos desejados por alguém que tomamos como modelo”. A rivalidade
mimética é produto do desejo mimético e se converte em círculo vicioso quando o
imitador “se transforma em modelo de seu modelo e assim sucessivamente, numa
simetria cada vez mais abrangente”.
O que é o desejo mimético ao qual
se refere René Girard?
No seu primeiro livro, Mensonge
romantique, verité romanesque, Girard chamava a atenção para a “mentira
romântica”, questionava a crença absoluta no individualismo, sobretudo em
relação ao objeto do desejo. Segundo Girard, não desejamos algo ou alguém
porque somos seduzidos diretamente pelo objeto. Ao contrário, desejamos esse
objeto porque ele é desejado ou possuído por alguém que temos como modelo. Tal
relação é, na maioria das vezes, inconsciente. O desejo faz parte da natureza
humana. O desejo é mimético, ou seja, não é único ou original, é socialmente
determinado, desejo aquilo que o outro deseja. As relações humanas são mediadas
pela presença constitutiva de um “outro”. A verdade romanesca representa o
reconhecimento de que o amor à primeira vista é sempre de segunda mão.
Desejos em conflito
Segundo Girard, os comportamentos
sociais são mimeticamente transmitidos. Aprendemos a desejar os mesmos objetos
desejados por alguém que tomamos como modelo. Assim, criamos uma área potencial
de conflito, já que estaremos envolvidos na disputa do mesmo objeto e, desse
modo, o modelo se transformará em rival. As crises miméticas são destrutivas
porque envolvem toda a comunidade e não apenas indivíduos isolados. No auge da
crise, não haverá mais diferença entre sujeito e modelo, entre imitador e
imitado, pois, disputando o mesmo objeto, transformaram-se todos em
adversários. O desejo mimético desencadeia a rivalidade mimética, num círculo vicioso
em que o imitador se transforma em modelo de seu modelo e assim sucessivamente,
numa simetria cada vez mais abrangente.
Segundo Girard, o conflito, que
gera a violência, é constitutivo do ser humano. Ele enfatiza a inevitabilidade
da violência mimeticamente engendrada. Trata-se de reconhecê-la, aprender a
lidar com ela, dominá-la, circunscrever sua atuação, dirigi-la para um alvo
aceitável para o grupo social, papel fundamental exercido pelo sacrifício que
reveste diferentes roupagens nas diferentes culturas e, na maioria das vezes,
pertence à esfera da religião, ao domínio do sagrado. O sistema baseado no
mecanismo do bode expiatório, que assumirá todas as culpas, canalizando para si
a violência dispersa na sociedade, possui uma dimensão religiosa. Seu
sacrifício provocará uma catarse coletiva, restaurando a serenidade e a
estabilidade anteriores à crise. Girard se refere a esse mecanismo como
mecanismo do bode expiatório, mecanismo vitimador ou mecanismo mimético.
Eis a expressão de René Girard
fale por nós:
“Minhas ideias estão bem mais
próximas às de Kierkegaard do que foi visto nas entrevistas que dei e nos
artigos escritos sobre minha obra. Para mim, o desejo do impossível e o
não-desejo ainda estariam de acordo com mecanismos miméticos. Kierkegaard
constatou, em sua análise dos três estágios do ser, a presença de um homem que
se escora no outro. Possuindo um vazio existencial aterrador, ele procura na observação
do outro, do que o outro possui, do que o outro aparenta, uma forma de saber
quem é e como sentir-se pleno. Portanto, para ser ele mesmo, este homem
necessita tomar conhecimento do outro, como no mecanismo do desejo mimético,
onde este desejo somente se faz possível pela intermediação do que é e deseja um
outro”.
Haveria a possibilidade de se
interromper o ciclo de violência?
Tanto para Girard quanto para
Kierkegaard, no cristianismo, quebra-se o ciclo da violência. No cristianismo
trata-se do verdadeiro Deus, uma divindade não violenta que precisa tornar-se
vítima, e não o Deus violento da religião arcaica. Cristo oferece a outra face
e redime seus algozes. Não busca vingança, não derrama mais sangue. É pela
cruz, pelo amor, que se dá a interrupção do ciclo de violência. O cristianismo
mostrou que a sociedade humana produzia vítimas únicas. A crucificação
desobstruiu o caminho para o entendimento do processo da vítima expiatória.
“Jesus salva porque o solapamento do mecanismo do bode expiatório por ele
provocado é, em primeiro lugar, a oferta do Reino de Deus, ou seja, de uma
existência inteiramente livre da violência”.
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