segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Papa Francisco: agradecimento aos sacerdotes que doam suas vidas no silêncio

A Igreja não pode ser entendida simplesmente como uma organização humana, o que faz a diferença é a unção que dá a bispos e sacerdotes o poder do Espírito para servir o povo de Deus: foi o que afirmou o Papa Francisco durante a homilia da Santa Missa na manhã desta segunda-feira na capela da Casa Santa Marta. O Pontífice agradeceu aos numerosos sacerdotes santos, que no anonimato, dão suas vidas no serviço diário.

Comentando a primeira leitura do dia, que fala das tribos de Israel, que ungem Davi como seu rei, o Papa explica o significado espiritual da unção. “Sem esta unção - disse -, Davi teria sido apenas o chefe” de “uma empresa” de uma “sociedade política, que era o Reino de Israel”, teria sido apenas um “organizador político”. Em vez disso, “após a unção, o Espírito do Senhor” desce sobre Davi e permanece com ele. E a Escritura diz: “Davi estava cada vez mais crescendo em poder, e o Senhor Deus dos exércitos estava com ele”. “Esta, – observa o Papa Francisco -, é precisamente a diferença da unção”. O ungido é uma pessoa escolhida pelo Senhor. Assim é na Igreja para bispos e sacerdotes:

“Os bispos não são eleitos apenas para levar avante uma organização, que se chama Igreja particular; são ungidos, eles têm a unção e o Espírito do Senhor está com eles. Mas todos os bispos, todos nós somos pecadores, todos! Mas somos ungidos. Mas todos nós queremos ser mais santos a cada dia, mais fiéis a esta unção. E o que faz a Igreja realmente, e o que dá unidade à Igreja, é a pessoa do bispo, em nome de Jesus Cristo, porque ele é ungido, não porque ele foi eleito pela maioria. Porque é ungido. É nesta unção que uma Igreja particular tem a sua força. E por participação também os sacerdotes são ungidos”.

A unção - continuou o Papa - aproxima os bispos e os sacerdotes ao Senhor, e dá a eles a alegria e a força “para levar para frente um povo, a viver ao serviço de um povo”. Doa a alegria de sentirem-se “escolhidos pelo Senhor, seguidos pelo Senhor, como aquele amor com que o Senhor olha para nós, para todos nós”. Assim, “quando pensamos nos bispos e sacerdotes, devemos pensá-los assim: ungidos”

“Ao contrário, não se entende a Igreja, mas não só não a entendemos como não se consegue explicar como a Igreja vai avante somente com as forças humanas. Esta diocese vai avante porque tem um povo santo, tantas coisas, e também um ungido que é a conduz, que a ajuda a crescer. Esta paróquia vai para frente porque há muitas organizações, tantas coisas, mas também tem um sacerdote, um ungido que a leva para frente. E nós na história conhecemos uma mínima parte: quantos bispos santos, quantos sacerdotes, quantos padres santos que deixaram as suas vidas e dedicaram-se ao serviço da diocese, da paróquia; quantas pessoas receberam a força da fé, a força do amor, a esperança desses párocos anônimos, que nós não conhecemos. Existem muitos deles”.

São tantos - disse o Papa Francisco –, “os párocos do interior ou da cidade, que com a sua unção deram força ao povo, transmitiram a doutrina, deram os sacramentos, isto é a santidade”:

“Mas, padre, eu li em um jornal que um bispo fez tal coisa, ou que um padre fez tal coisa. Oh sim, também eu li, mas, me diga, os jornais dão também notícias daquilo que fazem tantos sacerdotes, tantos padres em muitas paróquias da cidade ou do interior, que fazem tanta caridade, tanto trabalho para levar avante o seu povo? Isso, não! Isso não é notícia. É sempre assim: faz mais barulho uma árvore que cai, do que uma floresta que cresce. Hoje, pensando na unção de Davi, nos faz bem pensar em nossos bispos e nos nossos sacerdotes corajosos, santos, bons, fiéis, e rezar por eles. Graças a eles hoje nós estamos aqui”.


Fonte: Papa Francisco: agradecimento aos sacerdotes que doam suas vidas no silêncio

domingo, 26 de janeiro de 2014

Evangelii Gaudium - Capítulo II - NA CRISE DO COMPROMISSO COMUNITÁRIO (II)

59. Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor. Estamos longe do chamado «fim da história», já que as condições dum desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas.

60. Os mecanismos da economia actual promovem uma exacerbação do consumo, mas sabe-se que o consumismo desenfreado, aliado à desigualdade social, é duplamente daninho para o tecido social. Assim, mais cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as corridas armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais. Servem apenas para tentar enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se soubesse que as armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos. Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa «educação» que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos vêem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes.

Fonte:

Evangelii Gaudium - Capítulo II - NA CRISE DO COMPROMISSO COMUNITÁRIO

55. Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35) encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma economia sem rosto e sem um objectivo verdadeiramente humano. A crise mundial, que investe as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e sobretudo a grave carência duma orientação antropológica que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo.

56. Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a dívida e os respectivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste sistema que tende a fagocitar tudo para aumentar os benefícios, qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.

57. Por detrás desta atitude, escondem-se a rejeição da ética e a recusa de Deus. Para a ética, olha-se habitualmente com um certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque condena a manipulação e degradação da pessoa. Em última instância, a ética leva a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias do mercado. Para estas, se absolutizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana. Neste sentido, animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: «Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos».[55]

58. Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com determinação e clarividência, sem esquecer naturalmente a especificidade de cada contexto. O dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano.

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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Jesus na Última Ceia

Qual é o núcleo central da última Ceia em que Jesus participou? A oração de Jesus, mas não somente isso, são os gestos da fracção do pão, da sua distribuição aos seus e da partilha do cálice do vinho, com as palavras que os acompanham e no contexto de oração em que se inserem: é a instituição da Eucaristia, é a grande oração de Jesus e da Igreja. Mas consideremos mais de perto este momento

Antes de tudo, as tradições neotestamentárias da instituição da Eucaristia (cf. 1 Cor 11, 23-25; Lc 22, 14-20; Mc 14, 22-25; Mt 26, 26-29), indicando a oração que introduz os gestos e as palavras de Jesus sobre o pão e o vinho, utilizam dois verbos paralelos e complementares. Paulo e Lucas falam de eucaristia/acção de graças: «Tomou então o pão e, depois de dar graças, partiu-o e deu-lho» (Lc 22, 19). Marcos e Mateus, ao contrário, sublinham o aspecto de eulogia/bênção: «Tomou o pão e, depois de o benzer, partiu-o e deu-lho» (Mc 14, 22). Ambos os termos gregos eucaristein e eulogein remetem à berakha judaica, ou seja, para a grandiosa prece de acção de graças e de bênção da tradição de Israel, que inaugurava os grandes banquetes. Estas duas diferentes palavras gregas indicam as duas orientações intrínsecas e complementares desta oração. Com efeito, a berakha é antes de tudo acção de graças e louvor que se eleva a Deus pelo dom recebido: na Última Ceia de Jesus, trata-se do pão — feito com o trigo que Deus faz germinar e crescer da terra — e do vinho produzido pelo fruto amadurecido nas videiras. Esta oração de louvor e de acção de graças, que se eleva a Deus, retorna como bênção, que desce de Deus sobre o dom e o enriquece. Assim, a acção de graças e o louvor a Deus tornam-se bênção, e a oferenda doada a Deus volta para o homem abençoada pelo Todo-Poderoso. As palavras da instituição da Eucaristia inserem-se neste contexto de oração; nelas, o louvor e a bênção da berakha tornam-se bênção e transformação do pão e do vinho no Corpo e no Sangue de Jesus

Antes das palavras da instituição há os gestos: o da fracção do pão e o da oferta do vinho. Quem parte o pão e oferece o cálice é, antes de tudo, o chefe de família, que recebe à sua mesa os familiares, mas estes gestos são também os da hospitalidade, do acolhimento na comunhão convival do estrangeiro, que não faz parte da casa. Estes mesmos gestos, na ceia com a qual Jesus se despede dos seus, adquirem uma profundidade totalmente nova: Ele oferece um sinal visível do acolhimento à mesa em que Deus se doa. No pão e no vinho, Jesus oferece-se e comunica-se a Si mesmo.

Ao participar da Eucaristia, vivamos de modo extraordinário a oração que Jesus recitou, e recita continuamente, por cada um a fim de que o mal, que todos nós encontramos na vida, não prevaleça, e para que em nós aja a força transformadora da morte e da ressurreição de Cristo. Na Eucaristia, a Igreja responde ao mandato de Jesus: «Fazei isto em memória de mim» (Lc 22, 19; cf. 1 Cor 11, 24-26); repete a oração de acção de graças e de bênção e, com ela, as palavras da transubstanciação do pão e do vinho no Corpo e Sangue do Senhor. As nossas Eucaristias consistem em sermos atraídos para aquele momento de oração, em unir-nos sempre de novo à oração de Jesus. Desde o início, a Igreja compreendeu as palavras de consagração como parte da prece recitada juntamente com Jesus; como uma parte central do louvor cheio de gratidão, através da qual o fruto da terra e do trabalho do homem nos é novamente oferecido por Deus como Corpo e Sangue de Jesus, como autodoação do próprio Deus no amor acolhedor do Filho (cf. Jesus de Nazaré, II, pag. 146). Participando na Eucaristia, alimentando-nos da Carne e do Sangue do Filho de Deus, unamos a nossa oração à prece do Cordeiro pascal na sua noite suprema, a fim de que a nossa vida não se perca, apesar da nossa debilidade e das nossas infidelidades, mas seja transformada.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA O 47º DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

As redes sociais, para além de instrumento de evangelização, podem ser um factor de desenvolvimento humano. Por exemplo, em alguns contextos geográficos e culturais onde os cristãos se sentem isolados, as redes sociais podem reforçar o sentido da sua unidade efectiva com a comunidade universal dos fiéis. As redes facilitam a partilha dos recursos espirituais e litúrgicos, tornando as pessoas capazes de rezar com um revigorado sentido de proximidade àqueles que professam a sua fé. O envolvimento autêntico e interactivo com as questões e as dúvidas daqueles que estão longe da fé, deve-nos fazer sentir a necessidade de alimentar, através da oração e da reflexão, a nossa fé na presença de Deus e também a nossa caridade operante: «Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine» (1 Cor 13, 1).

No ambiente digital, existem redes sociais que oferecem ao homem actual oportunidades de oração, meditação ou partilha da Palavra de Deus. Mas estas redes podem também abrir as portas a outras dimensões da fé. Na realidade, muitas pessoas estão a descobrir – graças precisamente a um contacto inicial feito on line – a importância do encontro directo, de experiências de comunidade ou mesmo de peregrinação, que são elementos sempre importantes no caminho da fé. Procurando tornar o Evangelho presente no ambiente digital, podemos convidar as pessoas a viverem encontros de oração ou celebrações litúrgicas em lugares concretos como igrejas ou capelas. Não deveria haver falta de coerência ou unidade entre a expressão da nossa fé e o nosso testemunho do Evangelho na realidade onde somos chamados a viver, seja ela física ou digital. Sempre e de qualquer modo que nos encontremos com os outros, somos chamados a dar a conhecer o amor de Deus até aos confins da terra.

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO PARA O XLVIII DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

Hoje vivemos num mundo que está a tornar-se cada vez menor, parecendo, por isso mesmo, que deveria ser mais fácil fazer-se próximo uns dos outros. Os progressos dos transportes e das tecnologias de comunicação deixam-nos mais próximo, interligando-nos sempre mais, e a globalização faz-nos mais interdependentes. Todavia, dentro da humanidade, permanecem divisões, e às vezes muito acentuadas. A nível global, vemos a distância escandalosa que existe entre o luxo dos mais ricos e a miséria dos mais pobres. Frequentemente, basta passar pelas estradas duma cidade para ver o contraste entre os que vivem nos passeios e as luzes brilhantes das lojas. Estamos já tão habituados a tudo isso que nem nos impressiona. O mundo sofre de múltiplas formas de exclusão, marginalização e pobreza, como também de conflitos para os quais convergem causas económicas, políticas, ideológicas e até mesmo, infelizmente, religiosas.

Neste mundo, os mass-media podem ajudar a sentir-nos mais próximo uns dos outros; a fazer-nos perceber um renovado sentido de unidade da família humana, que impele à solidariedade e a um compromisso sério para uma vida mais digna. Uma boa comunicação ajuda-nos a estar mais perto e a conhecer-nos melhor entre nós, a ser mais unidos. Os muros que nos dividem só podem ser superados, se estivermos prontos a ouvir e a aprender uns dos outros. Precisamos de harmonizar as diferenças por meio de formas de diálogo, que nos permitam crescer na compreensão e no respeito. A cultura do encontro requer que estejamos dispostos não só a dar, mas também a receber de outros. Os mass-media podem ajudar-nos nisso, especialmente nos nossos dias em que as redes da comunicação humana atingiram progressos sem precedentes. Particularmente a internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus.

CONTRIBUIÇÕES DA GAUDIUM ET SPES PARA A COMPREENSÃO PASTORAL DO HOMEM DE HOJE

Destaco aqui a importantíssima doutrina da Gaudium et Spes sobre a dignidade da íntima consciência moral do sujeito humano. Diz o texto: “Na intimidade da consciência, o homem descobre uma lei (...), uma lei escrita por Deus em seu coração. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem, que será julgado de acordo com esta lei. A consciência é o núcleo secretíssimo e o sacrário do homem onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa a voz de Deus. (...) Pela fidelidade à consciência, os cristãos se unem aos outros homens na busca da verdade e na solução justa de inúmeros problemas morais que se apresentam, tanto na vida individual como social (...). Acontece não raro que a consciência erra, por ignorância invencível, sem perder, no entanto, sua dignidade” (GS 16). É, portanto, próprio da dignidade do sujeito humano, e seu dever seguir sempre sua consciência, mesmo quando ela se apresentasse errônea, por uma ignorância invencível. Neste último caso, então, supõe-se que tenha havido um prévio e normal esforço de formar retamente a consciência, buscando discernir o bem a fazer e a verdade a acolher, mas sem resultado positivo.

Essa doutrina conciliar responde à exigência da modernidade de que a moral não pode vir simplesmente de fora sobre o homem, como algo exterior que o submeta, mas deve de alguma forma partir também de dentro do homem. A lei inscrita por Deus no coração de cada ser humano é esta raiz, esta voz da interioridade, esta cumplicidade interior, que é a capacidade de acolher as normas objetivas da moral, sem ferir a dignidade e a inviolabilidade da íntima consciência moral do homem, cujo primado deve prevalecer sempre na decisão moral, ou seja, o homem deve sempre seguir sua consciência, supondo-se que procurou formá-la retamente, também à luz da moral objetiva.


Fonte:

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

MARIA NAS CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS LATINO-AMERICANAS (PUEBLA)


Um dos aspectos mais importantes da mariologia latino-americana é apresentar Maria como modelo de mulher libertadora. O documento de Puebla usa a metáfora "espelho da alma", ao se referir à oração do Magnificat, para falar da Mãe de Deus como aquela que tem consciência da necessária comunhão com o projeto libertador de seu Filho. 

O Magnificat reflete a alma de Maria (cf. Puebla, 297). Neste Canto, a Virgem se apresenta pela ótica do Servo de Javé. Como Mãe do Cristo libertador, ela se coloca a serviço dos pobres pelo anúncio de que Deus se volta para os excluídos. No Magnificat, ela assume a postura de profetiza da causa dos pobres. Fala da justiça divina e da misericórdia de Pai, disposto a matar a sede dos ávidos por justiça.
Maria, com sua Palavra, realiza o serviço de despertar os pobres para a esperança. Os que vivem oprimidos na América Latina, por situações desumanas, feridos pelo desemprego, pelos salários achatados, sem moradia e assistência médica, encontram em Maria uma aliada, a porta-voz da libertação. No seu Canto, ela define de maneira radical a opção de Deus pelos fracos e pela prática da justiça e da misericórdia. Ela soube prenunciar o Evangelho do sermão da montanha, onde Jesus recupera todo o projeto de Reino.

Maria, como profetiza dos pobres de Javé, se tornou o grande sinal do rosto materno e misericordioso do Pai. Ela nos convida a entrar em comunhão com Deus (cf. Puebla, 282). O Continente Latino Americano aprendeu a venerar Maria com a Mãe dos pobres e oprimidos. Sua espiritualidade de pobre de Javé e dos profetas, se manifesta no seu esvaziamento, na sua entrega total à obra do Senhor.
Ela não pensa em si mesma, confia em Deus, acredita e se compromete com a justiça e com os pobres e humildes (cf. Puebla,195). É importante recordar que seu esvaziamento não é teoria, mas sua própria vida, pois "conheceu a pobreza e o sofrimento, a fuga e o exílio". Por isso, ela tem condições de ser a companheira de nossos povos sofridos, com tudo que isso implica "acompanhar, com espírito evangélico, as energias libertadoras do homem e da sociedade" (Puebla, 200). 

Outro aspecto relevante na vida de Maria, como modelo de libertação, é sua postura de mulher corajosa e ativa, qualidades indispensáveis para quem luta por mudanças. Livremente ela se envolveu com a causa do Reino, colocando-se sempre disposta a acompanhar seu Filho em todas as suas incursões de pregador da mensagem que liberta. 

Maria viveu momentos de rejeição, condenação, paixão e morte. Tudo por causa do Reino. No Magnificat, manifesta-se como modelo "para os que não aceitam passivamente as circunstâncias adversas da vida pessoal e social, nem são vítimas de alienação, como se diz hoje, mas que proclamam, com ela, que Deus 'exalta os humildes' e se for o caso 'derruba os poderosos de seus tronos' (João Paulo II, Homilia em Zapopán, 4, AAS LXXI). A coragem e a fé de Maria são para os pobres da América Latina, modelo de força e luta por dias melhores.

A Virgem de Nazaré motiva a Igreja da América Latina e do Caribe, a evangelizar não em conluio com os poderosos, mas a conhecer as causas de todas injustiças sofridas pelos nossos povos. Em Maria o Evangelho se tornou carne. Este é o novo paradigma de todo processo evangelizador. "Esta é a hora de Maria, isto é, o tempo do Novo Pentecostes a que ela preside com sua oração, quando sob o influxo do Espírito Santo, a Igreja inicia um novo caminho em sua peregrinar." (Puebla, 303). 

Fonte:

O sentido da missão no Documento de Aparecida


MISSÃO: palavra chave do Documento de Aparecida (DA)

Ao ler o documento, é bom se perguntar: onde mais bate o coração do texto? Onde está a marca mais significativa? Também as Conferências anteriores tiveram suas marcas registradas. A primeira foi no Rio de Janeiro, em 1955, onde se deram os primeiros passos para uma Igreja latino-americana mais autóctone e unida. A segunda foi em Medellín (1968), onde explodiu forte o grito bíblico de libertação, de opção pelos pobres, de uma Igreja a serviço do Reino. Foi aí que deslanchou a caminhada das CEBs. A terceira foi em Puebla (1979), onde cresceram os apelos à comunhão, à participação co-responsável na Igreja, e à defesa da dignidade humana. A quarta foi em Santo Domingo (1992), onde muito se insistiu sobre a inculturação e o protagonismo dos leigos.

É opinião comum que a palavra chave de Aparecida é MISSÃO. Já o lema da Conferência o diz: “Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que n’ Ele nossos povos tenham vida”. O método VER-JULGAR-AGIR atravessa o documento inteiro, mesmo que seja de maneira leve. O VER ocupa os dois primeiros capítulos (I-II). É um ver a realidade, com coração de discípulo missionário. O JULGAR é marcado por três eixos que explicitam a experiência cristã: a) O encontro pessoal com Jesus Cristo que nos torna discípulos missionários, fonte de grande alegria e paz (capítulos III-IV); b) A vivência eclesial, onde todos são acolhidos e valorizados como sujeitos eclesiais (capítulo V); c) O processo formativo permanente. É para gerar convicções fortes e corajosas (capítulo VI). O AGIR que vem em seguida, é missão pra valer, fecunda e permanente; ela atinge de cheio a realidade sócio-econômica, política, cultural, religiosa do Continente (capítulos VII-X).

Missão e missionários marcam o texto inteiro. O documento está organizado em 554 parágrafos. A palavra Missão aparece explicitamente em cerca de 100 parágrafos, as palavras ‘discípulos missionários’ e ‘missionários’ aparecem mais de trezentas vezes. Estas palavras iluminam também todos os outros parágrafos do documento. Elas são o paradigma, a referência, o fio condutor do documento.

Vale a pena saborear, meditar, interiorizar essas palavras, não somente de vez em quando, mas no cotidiano da vida; e partilhá-las nas comunidades, entre animadores (as) e agentes pastorais. Elas estão espalhadas ao longo de todo o documento, quais pérolas preciosas, que é preciso saber cuidar e guardar. Elas são portadoras de esperança, de energias novas, de transformação e libertação em todos os níveis. Ao meditar frase por frase é bom se perguntar, pessoalmente e/ ou em grupos: o que está me/ nos dizendo? Quais luzes e recados? Como vivenciá-las na minha/ nossa comunidade eclesial e na sociedade em que vivemos?  

A seguir algumas frases do Documento que falam de Missão:

 MISSÃO em sentido amplo.

1) “Assumimos o compromisso de uma grande missão em todo o Continente” (DA 362).
2) “A missão continental procurará colocar a Igreja em estado permanente de missão” (DA 551).
3) “Hoje, toda a Igreja na América Latina e no Caribe quer colocar-se em estado de missão” (DA 213).
4) “A Igreja necessita de forte comoção que a impeça de se instalar na comodidade” (DA 362).
5) “Esperamos em novo Pentecostes, uma vinda do Espírito que renove nossa alegria e nossa esperança” (DA 362).
6) “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DA 370). 

Fonte:

A opção pelos pobres no Documento de Aparecida

A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (cf. 2Cor 8,9). Tal afirmação de Bento XVI, no discurso inaugural da 5ª Conferência, retomando a opção pelos pobres presente em Medellín e Puebla e enraizando-a na fé cristológica, indica nova etapa no aprofundamento dessa opção, no contexto de uma Igreja latino-americana e caribenha marcada por tensões, conflitos e desafios por causa dos diferentes modelos de Igreja que convivem em seu seio.

Bento XVI afirma que o Deus revelado em Jesus de Nazaré é “o Deus de rosto humano; é o Deus-Conosco, o Deus do amor até a cruz”. É interessante observar que essa afirmação do papa se aproxima do canto das comunidades eclesiais de base: “Tu és o Deus dos pequenos, o Deus humano e sofrido, o Deus de mãos calejadas, o Deus de rosto curtido. Por isso te falo eu, como te fala meu povo, porque és o Deus roceiro, o Cristo trabalhador!” Aproxima-se também da afirmação de Puebla, retomada pela Conferência de Aparecida: “Se esta opção está implícita na fé cristológica, os cristãos, como discípulos e missionários, estamos chamados a contemplar nos rostos sofredores de nossos irmãos e irmãs o rosto de Cristo que nos chama a servi-lo neles: ‘Os rostos sofredores dos pobres são os rostos sofredores de Cristo’. Eles interpelam o núcleo do agir da Igreja, da pastoral e de nossas atitudes cristãs. Tudo o que tem a ver com Cristo tem a ver com os pobres e tudo o que estiver relacionado com os pobres está relacionado com Jesus Cristo: ‘Todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram’ (Mt 25,40)”.

Estamos tomando consciência de que a opção pelos pobres, como já afirmou Gustavo Gutiérrez, é uma opção teocêntrica. Isso quer dizer que sai do coração de Deus, de sua gratuidade. Cremos ser importante pensá-la como opção trinitária: a opção pelos pobres é uma opção de Deus Pai (cf. Ex 3,7-10; 20,2; Mt 11,25-26), Filho, Jesus de Nazaré (Lc 4,16-21), e Espírito Santo, que envia Jesus para o meio dos pobres (Lc 4,18-19). Convém notarmos que, na sequência da missa de Pentecostes, o Espírito Santo é proclamado Pai dos pobres (Pater pauperum)! Essa opção é assumida também por Maria, a mãe de Jesus (Lc 1,46-56). Somos todos e todas convidados(as) a fazer essa opção pelos pobres e com os pobres contra a pobreza! Na verdade, trata-se de opção bíblica e evangélica belamente descrita por dona Luzia de Itumbiara (GO), ao dizer: “A Bíblia é o livro dos pobres, escrito para os pobres, dizendo para os pobres: chega de pobreza!”.