Nos últimos anos a Igreja tentou
fazer uma revisão da história e de seu relacionamento com o judaísmo.
Encíclicas e tratados foram apresentando uma visão diferente dos judeus para a
própria Igreja. Ver Nostra Aetate, ver Concílio Vaticano II.
Os preconceitos anti-semitas
derrubam o diálogo inter-religioso, por isso destaco a importância dos chamados
10 Pontos de Seelisberg, fruto de um colóquio judeu-cristão, elaborados na
França em 1947, que serviram como base para muitos outros documentos:
l. Deve-se relembrar que um só e
mesmo Deus nos fala no Antigo e no Novo Testamento.
2. Não se pode esquecer que Jesus
nasceu de mãe judia, pertencia à família de Davi e ao povo de Israel, e que seu
amor eterno abrange o seu povo e o mundo inteiro.
3. Recorde-se ainda que os
primeiros discípulos, os apóstolos e os primeiros mártires eram judeus.
4. Tenha-se presente que o
principal mandamento do cristianismo, o amor de Deus e do próximo, anunciado no
Antigo Testamento e confirmado por Jesus, obriga igualmente cristãos e judeus,
em todas as relações humanas.
5. Deve-se evitar diminuir o
judaísmo bíblico e pós-bíblico para exaltar o cristianismo.
6. Não se deve empregar a palavra
“judeu” para designar exclusivamente os inimigos de Jesus, e as palavras
“inimigos de Jesus” para designar o povo judeu em seu conjunto.
7. Não se deve apresentar a
Paixão de Jesus como se todos os judeus, ou somente os judeus, tivessem
incorrido na odiosidade da crucificação. Não foram todos os judeus que pediram
a morte de Jesus, nem foram somente judeus que se responsabilizaram por ela. A
Cruz, que salva a humanidade, revela que Cristo morreu pelos pecados de todos.
Pais e mestres cristãos deveriam ser alertados a respeito de sua grande
responsabilidade na maneira de narrar os padecimentos de Jesus. Se o fazem de
uma forma superficial, correm o risco de fomentar aversões no coração das
crianças ou dos ouvintes. Numa mente simples, movida por um ardente amor
compassivo pelo Salvador crucificado, o horror natural dos perseguidores de
Jesus pode facilmente tornar-se, por motivos psicológicos, ódio indiscriminado
pelo judeu de todos os tempos, inclusive de nossos dias.
8. Não se devem evocar as
condenações bíblicas e o grito da multidão enraivecida: “Que seu sangue caia
sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27,25) sem relembrar que esse grito não
anulou as palavras de nosso Senhor, de conseqüências incomparavelmente maiores:
“Pai, perdoa-lhes; eles não sabem o que fazem” (Lc 23,24).
9. É preciso evitar qualquer
tentativa de mostrar os judeus como um povo reprovado, amaldiçoado e votado a
um sofrimento perpétuo.
10. Deve-se mencionar que os
primeiros membros da Igreja eram judeus.
Uma viagem no tempo
Se voltamos ainda mais na
história, encontraremos a total intolerância na época das Cruzadas (1099-1291
da Era Comum) e na época dos Grandes Impérios. Quando o catolicismo tornou-se
religião oficial do Império Romano, os judeus foram mais perseguidos que outros
povos por motivos religiosos.
A destruição do Segundo Grande
Templo de Jerusalém, no ano 70 da Era Comum, desestimulou qualquer forma de
diálogo, gerando, pelo contrário, reações de revolta religiosa. Ver a história
dos Macabeus. Ao longo da história, os inimigos do povo de Israel tinham como
primeiro objetivo destruir o Grande Templo de Jerusalém. Achavam que com a
destruição do centro espiritual judaico conseguiriam a dispersão e assimilação
dos judeus. É interessante que o judeu conseguiu reconstruir seu micro-universo
e, acima de tudo, produzir novas fontes de expressão cultural seja onde for.
Nessas circunstâncias não existia
muita margem para um diálogo inter-religioso. O judeu estava preocupado com a
sua sobrevivência. Se chegamos à origem do cristianismo, o afastamento entre
judeus e Jesus se deu mais na época dos apóstolos. Jesus e seus discípulos
apareciam como um partido religioso dentro da comunidade judaica. Quando ouve
discordância de critérios e princípios, o diálogo passou a segundo plano.
Poderíamos dizer que em todos os tempos existiu intenção de diálogo entre
judeus e cristãos, muitas vezes frustrado por fatos históricos e pelo egoísmo
dos líderes que tentaram privar as suas comunidades de um relacionamento normal
e civilizado.
Diálogo inter-religioso no Brasil
Desde 1962, desenvolveu-se um
trabalho de relacionamento fraterno entre judeus e cristãos, através do
Conselho de Fraternidade Cristã-Judaica, que continua a realizar diversas
atividades culturais e religiosas, com o objetivo de um conhecimento mútuo e
difusão dos laços comuns entre as religiões judaica e cristã.
Em 1981, foi criada, por
iniciativa da CNBB, a Comissão Nacional do Diálogo com os Judeus, contando com
a participação de cinco membros nomeados pela CNBB e cinco judeus convidados
pela mesma entidade. Sua finalidade é articular em nível nacional o diálogo
oficial da Igreja Católica no Brasil com a comunidade judaica no país. O
expoente máximo da comunidade judaica que participa da Comissão é o rabino
Henry Sobel, presidente do Rabinato da Comunidade Israelita Paulista (CIP). Em
Porto Alegre, a instituição que lidero, SIBRA, faz parte do Grupo de Diálogo
Inter-Religioso que funciona na Associação Cristã de Moços (ACM). Há seis anos
que participo do grupo, ministrando palestras, participando em cultos,
inaugurações, atos oficiais, visitando presídios e fazendo campanhas de
agasalhos. O nosso objetivo é educar as nossas comunidades para vencer os
preconceitos e a ignorância, que criam barreiras e impedem uma aproximação
sincera entre as religiões. Só na hora que conhecermos os nossos irmãos na sua
forma de ser e pensar, poderemos respeitá-los.
Fonte:
Guershon Kwasniewski, Diálogo judeu-católico e judeu-cristão, in: Estudos Teológicos, 42(2):73-77, 2002.