sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Diálogo judeu-católico e judeu-cristão

Nos últimos anos a Igreja tentou fazer uma revisão da história e de seu relacionamento com o judaísmo. Encíclicas e tratados foram apresentando uma visão diferente dos judeus para a própria Igreja. Ver Nostra Aetate, ver Concílio Vaticano II.

Os preconceitos anti-semitas derrubam o diálogo inter-religioso, por isso destaco a importância dos chamados 10 Pontos de Seelisberg, fruto de um colóquio judeu-cristão, elaborados na França em 1947, que serviram como base para muitos outros documentos:

l. Deve-se relembrar que um só e mesmo Deus nos fala no Antigo e no Novo Testamento.
2. Não se pode esquecer que Jesus nasceu de mãe judia, pertencia à família de Davi e ao povo de Israel, e que seu amor eterno abrange o seu povo e o mundo inteiro.
3. Recorde-se ainda que os primeiros discípulos, os apóstolos e os primeiros mártires eram judeus.
4. Tenha-se presente que o principal mandamento do cristianismo, o amor de Deus e do próximo, anunciado no Antigo Testamento e confirmado por Jesus, obriga igualmente cristãos e judeus, em todas as relações humanas.
5. Deve-se evitar diminuir o judaísmo bíblico e pós-bíblico para exaltar o cristianismo.
6. Não se deve empregar a palavra “judeu” para designar exclusivamente os inimigos de Jesus, e as palavras “inimigos de Jesus” para designar o povo judeu em seu conjunto.
7. Não se deve apresentar a Paixão de Jesus como se todos os judeus, ou somente os judeus, tivessem incorrido na odiosidade da crucificação. Não foram todos os judeus que pediram a morte de Jesus, nem foram somente judeus que se responsabilizaram por ela. A Cruz, que salva a humanidade, revela que Cristo morreu pelos pecados de todos. Pais e mestres cristãos deveriam ser alertados a respeito de sua grande responsabilidade na maneira de narrar os padecimentos de Jesus. Se o fazem de uma forma superficial, correm o risco de fomentar aversões no coração das crianças ou dos ouvintes. Numa mente simples, movida por um ardente amor compassivo pelo Salvador crucificado, o horror natural dos perseguidores de Jesus pode facilmente tornar-se, por motivos psicológicos, ódio indiscriminado pelo judeu de todos os tempos, inclusive de nossos dias.
8. Não se devem evocar as condenações bíblicas e o grito da multidão enraivecida: “Que seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27,25) sem relembrar que esse grito não anulou as palavras de nosso Senhor, de conseqüências incomparavelmente maiores: “Pai, perdoa-lhes; eles não sabem o que fazem” (Lc 23,24).
9. É preciso evitar qualquer tentativa de mostrar os judeus como um povo reprovado, amaldiçoado e votado a um sofrimento perpétuo.
10. Deve-se mencionar que os primeiros membros da Igreja eram judeus.

Uma viagem no tempo

Se voltamos ainda mais na história, encontraremos a total intolerância na época das Cruzadas (1099-1291 da Era Comum) e na época dos Grandes Impérios. Quando o catolicismo tornou-se religião oficial do Império Romano, os judeus foram mais perseguidos que outros povos por motivos religiosos.
A destruição do Segundo Grande Templo de Jerusalém, no ano 70 da Era Comum, desestimulou qualquer forma de diálogo, gerando, pelo contrário, reações de revolta religiosa. Ver a história dos Macabeus. Ao longo da história, os inimigos do povo de Israel tinham como primeiro objetivo destruir o Grande Templo de Jerusalém. Achavam que com a destruição do centro espiritual judaico conseguiriam a dispersão e assimilação dos judeus. É interessante que o judeu conseguiu reconstruir seu micro-universo e, acima de tudo, produzir novas fontes de expressão cultural seja onde for.

Nessas circunstâncias não existia muita margem para um diálogo inter-religioso. O judeu estava preocupado com a sua sobrevivência. Se chegamos à origem do cristianismo, o afastamento entre judeus e Jesus se deu mais na época dos apóstolos. Jesus e seus discípulos apareciam como um partido religioso dentro da comunidade judaica. Quando ouve discordância de critérios e princípios, o diálogo passou a segundo plano. Poderíamos dizer que em todos os tempos existiu intenção de diálogo entre judeus e cristãos, muitas vezes frustrado por fatos históricos e pelo egoísmo dos líderes que tentaram privar as suas comunidades de um relacionamento normal e civilizado.

Diálogo inter-religioso no Brasil

Desde 1962, desenvolveu-se um trabalho de relacionamento fraterno entre judeus e cristãos, através do Conselho de Fraternidade Cristã-Judaica, que continua a realizar diversas atividades culturais e religiosas, com o objetivo de um conhecimento mútuo e difusão dos laços comuns entre as religiões judaica e cristã.

Em 1981, foi criada, por iniciativa da CNBB, a Comissão Nacional do Diálogo com os Judeus, contando com a participação de cinco membros nomeados pela CNBB e cinco judeus convidados pela mesma entidade. Sua finalidade é articular em nível nacional o diálogo oficial da Igreja Católica no Brasil com a comunidade judaica no país. O expoente máximo da comunidade judaica que participa da Comissão é o rabino Henry Sobel, presidente do Rabinato da Comunidade Israelita Paulista (CIP). Em Porto Alegre, a instituição que lidero, SIBRA, faz parte do Grupo de Diálogo Inter-Religioso que funciona na Associação Cristã de Moços (ACM). Há seis anos que participo do grupo, ministrando palestras, participando em cultos, inaugurações, atos oficiais, visitando presídios e fazendo campanhas de agasalhos. O nosso objetivo é educar as nossas comunidades para vencer os preconceitos e a ignorância, que criam barreiras e impedem uma aproximação sincera entre as religiões. Só na hora que conhecermos os nossos irmãos na sua forma de ser e pensar, poderemos respeitá-los.

Fonte:

Guershon Kwasniewski, Diálogo judeu-católico e judeu-cristão, in: Estudos Teológicos, 42(2):73-77, 2002.

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