O “manifesto ecumênico” por
excelência é a oração de Jesus por seus seguidores “a fim de que todos sejam um... como nós somos um” (Jo 17,21-22). A
oração de Jesus “sugere – abrindo perspectivas inacessíveis à razão humana –
que há uma certa analogia entre a união
das pessoas divinas entre si e a união dos filhos de Deus na verdade e na
caridade” (GS 24; UUS 26). Tanto em sua vida quanto em sua morte Jesus buscou
“trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos” (Jo 11, 51-52). E a
unidade que Jesus quer para os discípulos é condição da credibilidade na
missão: “para que o mundo creia”.
O
conjunto da mensagem bíblica apresenta a unidade como projeto de Deus. A Bíblia
começa e termina com símbolos potentes de unidade: no jardim do Éden a imensa
variedade da humanidade é apresentada num único casal (Gn 2,18-24), para nos
mostrar que somos todos, neste planeta, uma grande família amada pelo Criador;
a Nova Jerusalém do Apocalipse é uma cidade só, com doze portas sempre abertas,
sinal de hospitalidade para todos os povos, unidos na presença de Deus, sem
necessidade de um templo que identifique uma só tradição (Ap 21).
Mas
o pecado entra em cena promovendo a divisão (Gn 3). Logo depois do relato do
paraíso, irmão se lança contra irmão, por ciúme diante de uma oferta feita a
Deus (Gn 4). É um sinal de quebra do projeto inicial de Deus. Também o episódio
da torre de Babel (Gn 11) mostra que o desentendimento é conseqüência do
orgulho humano.
No
Primeiro Testamento, é central a escolha do povo de Israel como povo de Deus
(Cf Jz 5,11; 1Sm 2,24). À Abraão, Deus promete que será feita uma grande e
abençoada nação (Gn 12,2). O Deus de Israel é Deus de todos os povos. Mas como
Israel entendeu isso? A eleição de Israel levou muitas vezes à exclusão dos
outros povos. O livro de Jonas é uma chave de interpretação ecumênica no
Primeiro Testamento = a eleição de Israel não é uma escolha exclusivista: o que
se inicia com Abraão será uma bênção
para todas as famílias da terra (Gn 12,3). Apesar de toda a necessidade que o
povo tem de preservar sua identidade, estrangeiros podem ajudar, e se tornam
parte da história, como acontece, por exemplo, com Jetro, Rute, Ciro...
No
Segundo Testamento, Jesus mostra aos discípulos que “Um só é o vosso Pai” (Mt
23, 9), Abbá, que o próprio Cristo
invoca, como Filho unigênito. Ensina também que “Um só é o vosso Mestre e vós
sois todos irmãos” (Mt 23, 8). Assim, os discípulos são “um só em Cristo” (Gl
3,28), “filhos no Filho” (Ef 1,5), “concidadãos dos santos”, “família de Deus”
(Ef 2, 19-22). Devem, portanto, levar os fardos uns dos outros (Gl 6,2) e
“guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,3), respondendo pela
“esperança que há em vós” (1Pd 3,15).
Jesus mesmo dá
o exemplo disso pela acolhida a pessoas que outros rejeitariam; ele consegue
até unir no mesmo grupo um zelota e um cobrador de impostos...
A
Igreja torna-se herdeira da bênção que Deus deu a Abraão e que se realiza
definitivamente em cristo. É a bênção que gera comunhão na oração, na fração do
pão, na doutrina comum, na distribuição dos recursos materiais (At 2,42;
4,32-35; 2Cor 8-9). O grande sinal que marca o nascimento da Igreja comunhão
vem em Pentecostes (At 2): há uma única
mensagem, mas cada um a recebe na sua própria língua (At 2, 9). É um ícone da
unidade na diversidade, o contrário da confusão na Torre de Babel (Gn 11, 9).
Todo
o trabalho de Paulo será feito na diversidade de povos e comunidades com
histórias diferentes. Ele vê a Igreja como um corpo, que se torna mais
eficiente exatamente por causa da diversidade de membros que colaboram para um
único organismo (1Cor 12, 12-31). Paulo mostra o fundamento da unidade do
corpo: “um só Senhor, uma só fé, um só batismo”(Ef 4,5).
Nos
Atos dos Apóstolos vemos que “todos os que abraçavam a fé estavam unidos” (At
2,44). A comunicação era difícil naquele tempo, a Igreja ainda estava se
organizando, cada comunidade deveria ter seu jeito próprio... mas estavam de
acordo no essencial e foram capazes de realizar o milagre de espalhar a
mensagem que poderia ter ficado restrita a um pequeno grupo de judeus
seguidores do judeu Jesus. Assim, nossa própria história de fé, fundamentada
nas Escrituras Sagradas, nos aponta a unidade na diversidade como um caminho
eficiente e desejado por Deus.
Fonte:
Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Interreligioso - CNBB 48ª Assembleia Geral da CNBB Brasília, 4 a 13 de maio de 2010
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