quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Fundamentos bíblicos sobre o ecumenismo

            O “manifesto ecumênico” por excelência é a oração de Jesus por seus seguidores “a fim de que todos sejam um... como nós somos um” (Jo 17,21-22). A oração de Jesus “sugere – abrindo perspectivas inacessíveis à razão humana – que há uma certa analogia entre a  união das pessoas divinas entre si e a união dos filhos de Deus na verdade e na caridade” (GS 24; UUS 26). Tanto em sua vida quanto em sua morte Jesus buscou “trazer à unidade os filhos de Deus que andavam dispersos” (Jo 11, 51-52). E a unidade que Jesus quer para os discípulos é condição da credibilidade na missão: “para que o mundo creia”.

            O conjunto da mensagem bíblica apresenta a unidade como projeto de Deus. A Bíblia começa e termina com símbolos potentes de unidade: no jardim do Éden a imensa variedade da humanidade é apresentada num único casal (Gn 2,18-24), para nos mostrar que somos todos, neste planeta, uma grande família amada pelo Criador; a Nova Jerusalém do Apocalipse é uma cidade só, com doze portas sempre abertas, sinal de hospitalidade para todos os povos, unidos na presença de Deus, sem necessidade de um templo que identifique uma só tradição (Ap 21).

            Mas o pecado entra em cena promovendo a divisão (Gn 3). Logo depois do relato do paraíso, irmão se lança contra irmão, por ciúme diante de uma oferta feita a Deus (Gn 4). É um sinal de quebra do projeto inicial de Deus. Também o episódio da torre de Babel (Gn 11) mostra que o desentendimento é conseqüência do orgulho humano.

            No Primeiro Testamento, é central a escolha do povo de Israel como povo de Deus (Cf Jz 5,11; 1Sm 2,24). À Abraão, Deus promete que será feita uma grande e abençoada nação (Gn 12,2). O Deus de Israel é Deus de todos os povos. Mas como Israel entendeu isso? A eleição de Israel levou muitas vezes à exclusão dos outros povos. O livro de Jonas é uma chave de interpretação ecumênica no Primeiro Testamento = a eleição de Israel não é uma escolha exclusivista: o que se inicia com  Abraão será uma bênção para todas as famílias da terra (Gn 12,3). Apesar de toda a necessidade que o povo tem de preservar sua identidade, estrangeiros podem ajudar, e se tornam parte da história, como acontece, por exemplo, com Jetro, Rute, Ciro...

            No Segundo Testamento, Jesus mostra aos discípulos que “Um só é o vosso Pai” (Mt 23, 9), Abbá, que o próprio Cristo invoca, como Filho unigênito. Ensina também que “Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos” (Mt 23, 8). Assim, os discípulos são “um só em Cristo” (Gl 3,28), “filhos no Filho” (Ef 1,5), “concidadãos dos santos”, “família de Deus” (Ef 2, 19-22). Devem, portanto, levar os fardos uns dos outros (Gl 6,2) e “guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4,3), respondendo pela “esperança que há em vós” (1Pd 3,15).
Jesus mesmo dá o exemplo disso pela acolhida a pessoas que outros rejeitariam; ele consegue até unir no mesmo grupo um zelota e um cobrador de impostos...

            A Igreja torna-se herdeira da bênção que Deus deu a Abraão e que se realiza definitivamente em cristo. É a bênção que gera comunhão na oração, na fração do pão, na doutrina comum, na distribuição dos recursos materiais (At 2,42; 4,32-35; 2Cor 8-9). O grande sinal que marca o nascimento da Igreja comunhão vem em Pentecostes (At 2):  há uma única mensagem, mas cada um a recebe na sua própria língua (At 2, 9). É um ícone da unidade na diversidade, o contrário da confusão na Torre de Babel (Gn 11, 9).

            Todo o trabalho de Paulo será feito na diversidade de povos e comunidades com histórias diferentes. Ele vê a Igreja como um corpo, que se torna mais eficiente exatamente por causa da diversidade de membros que colaboram para um único organismo (1Cor 12, 12-31). Paulo mostra o fundamento da unidade do corpo: “um só Senhor, uma só fé, um só batismo”(Ef 4,5). 

            Nos Atos dos Apóstolos vemos que “todos os que abraçavam a fé estavam unidos” (At 2,44). A comunicação era difícil naquele tempo, a Igreja ainda estava se organizando, cada comunidade deveria ter seu jeito próprio... mas estavam de acordo no essencial e foram capazes de realizar o milagre de espalhar a mensagem que poderia ter ficado restrita a um pequeno grupo de judeus seguidores do judeu Jesus. Assim, nossa própria história de fé, fundamentada nas Escrituras Sagradas, nos aponta a unidade na diversidade como um caminho eficiente e desejado por Deus.

            Portanto, nosso olhar para a Bíblia deve ser um ato ecumênico. Sua compreensão nos orienta para a Igreja comunhão de todos os fiéis em Cristo. O ecumenismo é, antes de tudo, uma busca de fidelidade à Palavra de Deus que cria essa comunhão. Por isso torna-se também uma dimensão da Igreja que se constitui e se fundamenta nessa Palavra.

Fonte:

Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Interreligioso - CNBB 48ª Assembleia Geral da CNBB Brasília, 4 a 13 de maio de 2010

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