A cruz tem um
significado particular para os sofredores, oprimidos e perseguidos. Para eles,
a mensagem da crucificação consiste no fato de que Jesus nos ensina a sofrer e
morrer de um modo diferente, não no abatimento, mas na fidelidade a uma causa
cheia de esperança. "Quem não carrega a sua cruz e não vem após mim, não
pode ser meu discípulo" (Lc 14,27), disse Jesus. Mas não basta carregar a cruz:
a novidade cristã está em carregá-la como Cristo (segui-lo). Então,
"carregar a cruz" não representa uma aceitação estoica, mas a atitude
de quem leva ao extremo o seu compromisso: "Ninguém tem maior amor do que
aquele que dá a vida pelos amigos ... "; "Tendo amado os seus que
estavam no mundo, (Jesus) amou-os até o fim ... " (Jo 13,1).
Esse é o novo
modo de carregar a cruz que Cristo - nos ensina com sua morte: o de
transformá-la em um símbolo e fonte de amor e entrega, tendo em vista uma
libertação sempre incompleta, mas assegurada pela promessa.
A absoluta
novidade do trágico destino histórico de Jesus é a promessa que ele encerra
promessa que encontraria toda a sua densidade em sua ressurreição e exaltação
junto ao Pai. E isso porque, se a cruz é a frustração aparente de uma promessa,
a suprema abjeção de Jesus, ao mesmo tempo e paradoxalmente é também o momento
de seu triunfo.
Os oprimidos e
sofredores de todas as categorias humanas e sociais tendem a projetar no
crucificado a sua própria frustração. A cruz seria o fracasso da causa dos justos,
dos oprimidos e dos que lutam pela justiça; seria o fracasso das bem-aventuranças;
seria a cruz dos abandonados; aparentemente, os fracos e "pequeninos"
não podem triunfar.
Mas, se o
martírio de Cristo representa precisamente o momento em que o Pai assume a sua
causa, dando-lhe para sempre a plena liberdade de sua exaltação e colocando em
suas mãos a liberdade de todos os homens, então o fracasso dos abandonados
deste mundo é apenas aparente.
Na cruz de
Cristo, o Pai assume e reconcilia os que sofrem o abandono e o desespero como
forma suprema da impotência e da opressão. Concede-lhes o dom de sofrer, não
como vencidos, mas como protagonistas comprometidos com uma causa, que é a
mesma causa de Cristo. A identificação dos oprimidos com a cruz não é sua
identificação com o abatimento de Cristo, mas com sua energia ressuscitante,
que os chama a uma tarefa. Não se trata de "superar" a cruz, mas de
transformar a própria cruz em energia para realizar as tarefas impostas pela
libertação, própria e dos outros.
A mensagem da
cruz - de que podemos sofrer e mesmo morrer de um modo novo - deve-se a essa
esperança que ela nos transmite, pois, se fomos levados à crucificação, temos, no
Deus crucificado, a promessa certa de que a energia da ressurreição não deixará
definitivamente frustrada a tarefa dos que sofrem e morrem por causa da
justiça.
A cruz é o
símbolo de que a causa dos Justos e oprimidos, aparentemente fracassada, já é
aceita pelo Pai e que, portanto, eles não estão abandonados; mas devem se
entregar com força ainda maior à missão de fazer reinar a justiça, nas pegadas
de um Cristo crucificado, mas nunca abatido decisivamente.
Em Jesus, a cruz
é a sua própria missão de libertação dos homens, feita tragédia por causa do
pecado desses mesmos homens, mas dotada da energia capaz de recriar mais uma
vez essa missão de um modo transfigurado. A cruz dos oprimidos, sofredores e
abandonados se dão no interior de sua própria situação injusta e no consequente
processo de sua libertação, feito fracasso aparente pelo egoísmo e o pecado,
mas com a força de projetar-se para frente de um modo sempre novo.
Fonte: GALILEA,
S.; O Caminho da Espiritualidade, Edições Paulinas: São Paulo, 1985, p. 228-230.
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