quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Jesus, o Sumo Sacerdote, segundo o cristianismo primitivo

O sumo-sacerdote verdadeiro encontrou sua realização em Cristo, que é para sempre o verdadeiro Sumo Sacerdote, o verdadeiro mediador entre Deus e os homens. Porém, em sua base se encontra um pensamento teológico profundo: Jesus Cristo, o Sumo Sacerdote verdadeiro, não só pôs fim ao antigo sacerdócio judaico, ele o consumou em sua pessoa. A noção de sumo sacerdote não está muito distanciada da de Ebed lahweh. Para este último o caráter voluntário de seu sacrifício é um ponto essencial. Encontra-se de novo uma afirmação análoga na Epístola aos Hebreus, que transforma a antiga concepção judaica de sacrifício para por em primeiro plano o caráter voluntário do sacrifício oferecido pelo sumo sacerdote: "Ele se ofereceu a si mesmo" (Hb 7.27). Aqui o autor se liberta das especulações judaicas relativas ao sacerdócio, pois sendo Jesus designado como sumo sacedote, a idéia sacerdotal se associa automaticamente à de Ebed. A função do sumo sacerdote é oferecer sacrifícios. Porém, Jesus mesmo é a vítima. É ao mesmo tempo o sacrificador e o sacrificado, quer dizer, ele só pode sacrificar a si mesmo.

O elemento novo e valioso que entra, no entanto, na cristologia, graças à concepção judaica de sumo sacerdote, é a idéia de que Cristo, ao sacrificar-se, manifesta sua soberania sacerdotal; isto é, que a espécie de passividade do cordeiro pascal é descartada ainda mais cabalmente do que na noção de Ebed lahweh. Éprecisamente sacrificando- se, indo, portanto, ao mais fundo da humilhação, que Jesus exerce a função mais divina que se conhece em Israel: a de mediador sacerdotal. Daí o elo estreito que aparece na Epístola aos Hebreus entre a idéia de Soberano Sacerdote e a de Filho de Deus. A dialética própria ao Novo Testamento, que descobre a majestade mais alta na humilhação mais profunda, se manifesta, graças à noção de sumo sacerdote, na morte expiatória de Jesus. Aí reside a grande importância desta concepção cristológica. Jesus realiza de uma vez o antigo sacerdócio judaico e, cumprindo-o, o torna supérfluo.

A cristologia da Epístola aos Hebreus tem ainda um outro aspecto: Jesus, o sumo sacerdote, leva a humanidade à sua "perfeição" tornando-se ele mesmo "perfeito". Ele restabelece assim o pacto com Deus. O termo teleioV e as expressões que lhe são aparentadas têm um papel importante e permitem uma aproximação à noção de Filho do Homem. Como o sumo sacerdote é mediador entre Deus e o homem, a realização do homem perfeito representa a coroação de sua obra. O termo teleioV evoca a idéia de perfeição e plenitude.



Fonte: CULLMANN, O., Cristologia do Novo Testamento, Editora Liber: São Paulo, 2001, p. 113-125.

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