Da utilização
cristológica que o Novo Testamento faz dos títulos Kyrios, Logos e "Filho
de Deus" resultam que eles implicam a possibilidade de se chamar a Jesus
"Deus": Deus, enquanto soberano presente, que desde sua glorificação
rege a igreja, o universo e a vida de cada indivíduo (Kyrios); Deus, enquanto
aquele que se revela desde o começo (Logos); Deus, enfim, enquanto aquele cuja
vontade e ação são perfeitamente equivalentes com as do Pai, enquanto aquele
que vem do Pai e ao Pai retorna (Filho de Deus). Mesmo a ideia de Filho do
Homem nos conduz à "divindade" de Jesus, já que Jesus se apresenta
aqui como a única e verdadeira "imagem de Deus". À pergunta se o Novo
Testamento ensina a "divindade" de Cristo, deve-se, pois, em
princípio, responder afirmativamente; mas, sempre e quando esta afirmação não
se associe às especulações gregas posteriores sobre a "substância" e as
"naturezas", na condição, pois, de considerá-la estritamente sob o
ângulo da história da salvação. Fora desta história divina da salvação, falar
da "divindade" de Jesus careceria de sentido: em tal caso Ele seria
simplesmente um dos tantos "heróis" que enchem a história das
religiões, e nada mais. Inversamente, se o situarmos em outro plano que não
seja o da história da salvação será coisa igualmente desprovida de sentido
distinguir entre Deus o Pai e o Logos, que é Deus no ato de revelar-se.
Mesmo ao partir
de uma série de concepções cristológicas fundamentais, chega à ideia de que a
divindade de Cristo no sentido indicado, a questão de saber se Jesus é
efetivamente chamado "Deus" não tem, senão, importância secundária.
As passagens
onde o nome de "Deus" aparece aplicado a Jesus não são muito
numerosas e, além disso, e muitas delas apresentam dúvidas, do ponto de vista
da crítica textual. Já na antiguidade foi atribuída, equivocadamente, muita
importância à questão de saber se Jesus foi ou não chamado "Deus". Principalmente
em relação às polêmicas cristológicas, a designação DEUS, foi tida ora como
perigosa, ora como necessária. Daí as numerosas variantes existentes nas
passagens das quais nos ocuparemos em seguida.
Não temos que
nos deter nos Sinópticos: Jesus não se chamou a si mesmo de KYRIOS; nem
tampouco se designou DEUS, e os evangelistas tampouco parecem querer fazê-lo.
Os testemunhos mais claros, e menos equívocos, da aplicação a Jesus do nome
DEUS; se acham no Evangelho de João e na Epístola aos Hebreus. No quarto
Evangelho há pelo menos duas passagens para as quais toda contestação fica
excluída: Jo 1,1 (No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o
Verbo era Deus); e Jo 20,28, a confissão de Tomé: (E Tomé respondeu, e disse-lhe:
Meu Senhor e meu Deus!).
As afirmações
culminam numa confissão em que não pode haver dúvida alguma que, para Jesus,
todos os demais títulos, tais como "Filho do Homem",
"Senhor", e no prólogo, Logos tendem para esta expressão suprema de
sua fé cristológica na autoridade divina em Jesus.
Uma vez mais,
não é de surpreender-se que, à parte ao Evangelho de João, unicamente a
Epístola aos Hebreus dê, sem dúvida, o nome "Deus" a Jesus. É verdade
que a palavra "Deus" é empregada, aliás, duas vezes seguidas (Hb 1,8
s. Mas,
do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos; Cetro de
equidade é o cetro do teu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por
isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais do que a teus
companheiros), faz referência ao Sl 45,6ss (O teu trono, ó Deus, é eterno e
perpétuo; o cetro do teu reino é um cetro de equidade. Tu amas a justiça e
odeias a impiedade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais
do que a teus companheiros).
Por fim, as expressões
Logos, Filho do Homem e Senhor se tornam títulos que dão autoridade divina a
Jesus de forma a se tornar secundária a utilização do título Deus a Jesus. A
titulação Deus deixaria de expressar unicamente toda a autoridade e relação que
Jesus tinha com o Pai. Talvez, isso justifique a pouca utilização do título
Deus no Novo Testamento sendo encontrados relacionados a Jesus somente no
quarto Evangelho e na Epístola aos Hebreus.
Fonte: CULLMANN,
O., Cristologia do Novo Testamento, Editora Liber: São Paulo, 2001, p. 399-405.
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