terça-feira, 19 de novembro de 2013

Jesus e o título Deus



Da utilização cristológica que o Novo Testamento faz dos títulos Kyrios, Logos e "Filho de Deus" resultam que eles implicam a possibilidade de se chamar a Jesus "Deus": Deus, enquanto soberano presente, que desde sua glorificação rege a igreja, o universo e a vida de cada indivíduo (Kyrios); Deus, enquanto aquele que se revela desde o começo (Logos); Deus, enfim, enquanto aquele cuja vontade e ação são perfeitamente equivalentes com as do Pai, enquanto aquele que vem do Pai e ao Pai retorna (Filho de Deus). Mesmo a ideia de Filho do Homem nos conduz à "divindade" de Jesus, já que Jesus se apresenta aqui como a única e verdadeira "imagem de Deus". À pergunta se o Novo Testamento ensina a "divindade" de Cristo, deve-se, pois, em princípio, responder afirmativamente; mas, sempre e quando esta afirmação não se associe às especulações gregas posteriores sobre a "substância" e as "naturezas", na condição, pois, de considerá-la estritamente sob o ângulo da história da salvação. Fora desta história divina da salvação, falar da "divindade" de Jesus careceria de sentido: em tal caso Ele seria simplesmente um dos tantos "heróis" que enchem a história das religiões, e nada mais. Inversamente, se o situarmos em outro plano que não seja o da história da salvação será coisa igualmente desprovida de sentido distinguir entre Deus o Pai e o Logos, que é Deus no ato de revelar-se.

Mesmo ao partir de uma série de concepções cristológicas fundamentais, chega à ideia de que a divindade de Cristo no sentido indicado, a questão de saber se Jesus é efetivamente chamado "Deus" não tem, senão, importância secundária.

As passagens onde o nome de "Deus" aparece aplicado a Jesus não são muito numerosas e, além disso, e muitas delas apresentam dúvidas, do ponto de vista da crítica textual. Já na antiguidade foi atribuída, equivocadamente, muita importância à questão de saber se Jesus foi ou não chamado "Deus". Principalmente em relação às polêmicas cristológicas, a designação DEUS, foi tida ora como perigosa, ora como necessária. Daí as numerosas variantes existentes nas passagens das quais nos ocuparemos em seguida.
Não temos que nos deter nos Sinópticos: Jesus não se chamou a si mesmo de KYRIOS; nem tampouco se designou DEUS, e os evangelistas tampouco parecem querer fazê-lo. Os testemunhos mais claros, e menos equívocos, da aplicação a Jesus do nome DEUS; se acham no Evangelho de João e na Epístola aos Hebreus. No quarto Evangelho há pelo menos duas passagens para as quais toda contestação fica excluída: Jo 1,1 (No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus); e Jo 20,28, a confissão de Tomé: (E Tomé respondeu, e disse-lhe: Meu Senhor e meu Deus!).

As afirmações culminam numa confissão em que não pode haver dúvida alguma que, para Jesus, todos os demais títulos, tais como "Filho do Homem", "Senhor", e no prólogo, Logos tendem para esta expressão suprema de sua fé cristológica na autoridade divina em Jesus.

Uma vez mais, não é de surpreender-se que, à parte ao Evangelho de João, unicamente a Epístola aos Hebreus dê, sem dúvida, o nome "Deus" a Jesus. É verdade que a palavra "Deus" é empregada, aliás, duas vezes seguidas (Hb 1,8 s. Mas, do Filho, diz: Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos; Cetro de equidade é o cetro do teu reino. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais do que a teus companheiros), faz referência ao Sl 45,6ss (O teu trono, ó Deus, é eterno e perpétuo; o cetro do teu reino é um cetro de equidade. Tu amas a justiça e odeias a impiedade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com óleo de alegria mais do que a teus companheiros).

Por fim, as expressões Logos, Filho do Homem e Senhor se tornam títulos que dão autoridade divina a Jesus de forma a se tornar secundária a utilização do título Deus a Jesus. A titulação Deus deixaria de expressar unicamente toda a autoridade e relação que Jesus tinha com o Pai. Talvez, isso justifique a pouca utilização do título Deus no Novo Testamento sendo encontrados relacionados a Jesus somente no quarto Evangelho e na Epístola aos Hebreus.

Fonte: CULLMANN, O., Cristologia do Novo Testamento, Editora Liber: São Paulo, 2001, p. 399-405.

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