quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Jesus, o Sumo Sacerdote

Ao ser aplicada a Jesus, a noção de sumo sacerdote guarda estreita relação com a de Servo de Deus. Poderíamos até considerá- la como uma variante desta última. a aplicação da noção de Sumo Sacerdote a Jesus teve, no cristianismo primitivo, um desenvolvimento muito distinto - e, por outro, esta noção apresenta aspectos estranhos à figura do Ebed lahweh. É, com efeito, uma concepção cristológica mais complexa que a a de Servo de Deus, por não relacionar-se exclusivamente à obra do Jesus terreno.

O sumo sacerdote é uma figura essencialmente judaica. Torna-se difícil acentuar a imagem do já que o redentor esperado pelos judeus não parece, à primeira vista, ter traços sacerdotais. Não obstante, encontramos no judaísmo tardio certos indícios de uma possível relação entre o Messias-Rei e o Sumo Sacerdote.

A possível relação se evidencia ao misterioso rei Melquisedeque, citado em Gn 14,18 ss. e Sl 110,4. Em Gênesis 14,13-24 lemos como Abraão liberta seu sobrinho Ló das mãos de Kedor-Laorner, rei de Elam, e de seus aliados. Quando Abraão volta como vencedor da batalha, Melquisedeque sai ao seu encontro e o abençoa e Abraão lhe dá o dízimo de seu saque. O livro de Gênesis não nos informa nada mais a respeito deste misterioso rei Melquisedeque diante de quem Abraão, assim, se humilhou. Sua pessoa também estimulou desde a antiguidade a imaginação dos judeus.

No célebre Sl 110, que os cristãos não deixam de citar, lemos no verso 4: "Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque". Estas palavras se dirigem ao rei, a quem são atribuídas as funções sacerdotais de ordem mais elevada. Incluem-se no quadro da festa judaica da entronização. Assim como o misterioso rei da época cananéia era ao mesmo tempo sacerdote, aquele que se espera deve, também, assumir uma função sacerdotal que se eleve muito acima do sacerdócio ordinário - um sacerdócio que não perece, mas que é eterno. Se aqui se trata do sacerdócio ideal do rei
- ideia que se pode encontrar em todo o Antigo Oriente - e se a ideologia real está na base mesma do messianismo, tem-se o incentivo para uma interpretação messiânica da figura do sumo sacerdote.

Que Jesus cite o salmo 110 a fim de mostrar que a descendência davídica do Messias é problemática, pressupõe que o rei do qual fala este salmo, e que deve ser sacerdote pela eternidade segundo a ordem de Melquisedeque, não é outro senão o próprio Messias (Mc 12,35 SS.).

Tudo leva a crer que no tempo de Jesus não só já se interpretava messianicamente o Salmo 110 mas que, sobre a base de certas especulações teológicas, o judaísmo identificava o próprio Melquisedeque, se não com o Messias, ao menos com outras figuras escatológicas. Afirmam também que a figura do sumo-sacerdote está associada com a imagem escatológica do Rei-Sacerdote talvez com traços de Adão como homem ideal ou a partir de especulações gnósticas afirmando ter o sumo-sacerdote semelhanças com o Arcanjo Miguel.

É possível verificar uma distinção entre um Messias sacerdotal e um Messias-Rei político, um Messias de Levi e um Messias de Judá, "Messias de Aarão" e "Messias de Israel", o Messias real estando subordinado ao Messias sacerdotal. É importante advertir que nestes textos a identificação do sumo sacerdote com o Messias se realiza.

Chegamos, pois, à conclusão que o judaísmo já conhecia um sacerdote ideal que devia consumar, no final dos tempos, o sacerdócio judaico, como o único sacerdote verdadeiro. A noção judaica de sacerdócio deveria, inevitavelmente mais cedo ou mais tarde, fazer surgir semelhante esperança, por ser, em virtude de sua função, o Sumo Sacerdote o verdadeiro mediador entre Deus e seu povo e ocupar, em razão disso, uma posição soberanamente elevada. O judaísmo possuía, na pessoa de seu sumo sacerdote, um homem que já podia satisfazer, dentro do quadro cultual, a necessidade do povo de contato com Deus. Porém, quanto mais o sacerdote existente decepcionava as altas esperanças que nele se depositavam, tanto mais era inevitável que a esperança do fim dos tempos.


Porém, este sumo sacerdote esperado não somente realiza o cumprimento do sacerdócio, mas deve, antes de tudo, superar as insuficiências do sacerdócio representado pelo sumo sacerdote empírico. Sua missão é, pois, determinada por oposição ao papel deste último. É importante esta observação para compreendermos como esta noção de sumo sacerdote foi transferida para Jesus.

Fonte: CULLMANN, O., Cristologia do Novo Testamento, Editora Liber: São Paulo, 2001, p. 113-125

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