A cruz não tem
sentido se por ela não nos incorporamos à cruz de Cristo. Desse modo, realizamos
uma experiência espiritual, uma experiência de Deus. Entendendo a cruz de Jesus
com os olhos da fé, podemos entender a nossa própria cruz e a cruz do mundo.
A cruz de Jesus
é o sinal de seu amor fiel à causa do Reino de Deus. Não devemos separar a
morte de Jesus do resto de sua vida. O martírio de Jesus assume o seu pleno
sentido como a consequência dramática e coerente de sua mensagem e de sua obra:
a cruz é o símbolo de sua absoluta fidelidade ao Pai. Ela é inseparável das
perseguições e conflitos que a precederam, dos critérios, opções e atitudes de
Jesus, bem como do conteúdo de sua pregação. Jesus desencadeou o conflito que o
levou à cruz, apesar de sua vontade, na medida em que revelou o Deus
verdadeiro, na medida em que questionou a decadência religiosa e as deformações
de Deus, na medida em que fez dos pobres e dos pecadores públicos o objeto
principal de sua solicitude e predileção, na medida em que combateu os ídolos
de sua sociedade e na medida em que questionou os seus falsos valores.
O sofrimento é a
sequela coerente do seguimento fiel de Jesus Cristo. Com bastante frequência,
certo tipo de devoção cristã separa a cruz do resto da vida de Jesus. A devoção
à cruz, tão característica do povo latino-americano - e que, em si mesma,
constitui uma riqueza -, às vezes venera uma cruz isolada. Muitas vezes, venera
a paixão e morte do Senhor não só sem "depois" (a ressurreição), mas
também sem "antes": o estilo e o conteúdo da mensagem evangélica que
levou Jesus à cruz. A cruz não é um fato isolado e arbitrário nos desígnios do
Pai. É o ponto final, que Jesus aceitou por amor, da sua entrega absoluta à causa
do Reino. A paixão de Cristo não só expressa o amor fiel de Jesus nesse
momento, mas inclui a fidelidade de Jesus ao Reino em todas as perseguições que
precederam e prepararam o desenlace da cruz. Na espiritualidade cristã; as
formas de cruz e perseguição que aparecem no caminho da fidelidade à justiça do
Reino - e, eventualmente, até o martírio - fazem parte do todo da missão do
cristão. Constituem a prova de que seu compromisso é verdadeiramente cristão.
Sempre desconcertantes e envoltas na obscuridade da fé, as perseguições
constituem um dos sinais privilegiados para comprovar a autenticidade cristã.
Fonte: GALILEA,
S.; O Caminho da Espiritualidade, Edições Paulinas: São Paulo, 1985, p.
224-226.
Nenhum comentário:
Postar um comentário