A reflexão sobre a ‘Deus crucificado’ na cristologia da
libertação, está fortemente marcada pela teologia d cruz desenvolvida por J.
Moltmann. Para o teólogo alemão, Deus não é impassível diante da morte de seu
Filho cruz. Esta intuição possibilitou à cristologia da libertação, concluir a
não impassibilidade de Deus diante do sofrimento dos pobres neste mundo. O
ponto de partida de J. Moltmann é a formulação de uma teologia da cruz crítica
que reflete a totalidade do amor de Deus em si mesmo e na história humana,
tomando o sofrimento como elemento integrante da própria essência de Deus. Ao
considerar o sofrimento como elemento essencial em Deus, esta teologia da cruz
não quer amenizar a situação dos sofredores da história, mas desenvolve a
intuição de que Deus se abaixa se deixa crucificar e, vence a morte. Para isso,
são necessárias a encarnação da fé na realidade e a via negativa da dialética
reflexão teológico-libertadora. A teologia da cruz crítica exige uma fé
eclesial inserida no mundo dos sofredores para entrar em comunhão com o Deus
crucificado. Deus sai de si mesmo e insere-se na realidade histórica,
denunciando o escândalo do pecado e anunciando a utopia de uma nova história. A
teologia da cruz alude ao seguimento atualizado de Jesus, exigindo radicalidade
dos seguidores, até mesmo em nível de martírio, se necessário, para que a causa
do Reino de Deus seja efetivada na história. Os seguidores de Jesus se tornam
co-crucificados que assumiram radicalmente o projeto amoroso de Deus para a
humanidade.
A crucificação do Filho para Moltmann está ligada ao
complexo trinitário. O Filho tem sua própria ação e com Ele está o Pai e o
Espírito. A cruz se torna o princípio material da doutrina trinitária e, esta o
princípio formal do conhecimento daquela. Ao fazer a coligação entre
crucificado e a Trindade, o teólogo alemão desenvolve a teoria do Filho
abandonado por Deus na cruz. O abandono assume dois significados
simultaneamente distintos e profundamente coligados. O primeiro pertence à
característica do próprio Filho. A sua função de Redentor no interior da
Trindade e na história humana, o faz experimentar profundamente a dor e o
sofrimento humanos. O segundo pertence à característica do Pai. Ele é um
Criador cheio de bondade e de misericórdia que entrega o Filho à história para
a redenção da criação. Ao entregar o Filho, o Pai sofreu por amor e para provar
a profundidade de seu amor, abandonou o Filho para que a missão trinitária
fosse cumprida também ad extra. A morte de Jesus na cruz é um acontecimento
trinitário. O Filho sofre o abandono do Pai que, por sua vez, sofre no seu amor
a dor da morte do Filho. Desta dinâmica amorosa emerge o Espírito produtor de
amor nas pessoas abandonadas. A história da Trindade está marcada pelo sofrimento
e paixão do Filho, como concretização plena do amor de Deus. Sem o sofrimento
não há sentido o amor. Na crucificação do Filho, Deus se mostra como condição
do amor que apresenta um futuro novo para toda a sua criação.
Com esta história de total entrega amorosa, a Trindade dá a
fé um significado escatológico concreto. Ela revela simultaneamente a dimensão
transcendente da história e a dimensão histórica da transcendência. A Trindade
é aberta à história e abre a história à escatologia. O sofrimento de Cristo na
cruz serve para despertar esperança concreta para os sofredores deste mundo.
Esta esperança proporciona a formulação do Senhorio de Cristo na história, vida
nova – de amor realizado tam
bém pelo sofrimento – para os sofredores da
história. Deus se insere na história humana, dá liberdade ao homem para
inserir-se na própria história divina. No desenvolvimento das liberdades humana
e divina, realiza-se a simpatia entre Deus e o homem, cujo significado é o
interesse de Deus pela vida humana. A plenitude de vida está situada dentro da
história trinitária. A crucificação de Jesus é crucificação de Deus mesmo
enquanto acontecimento livre e gratuito eu possibilita à humanidade dar sentido
vital ao sofrimento. Realiza-se deste modo, a comunhão plena entre o homem e
Deus.
A teologia da cruz de J. Moltmann tem implicações nas
dimensões psíquicas e politica do homem. Esta teologia busca atingir a
totalidade da relação entre Deus e o homem por meio de Jesus Cristo. Estas
implicações incidem diretamente no discurso cristológico da libertação, pois a
práxis de libertação integral dos pobres é o referencial epistemológico
presente em toda cristologia libertadora.
O intervento de Deus na história mediato por Jesus Cristo
demonstra a solidariedade de Deus para com os pobres tecendo por meio dos
crucificados um projeto histórico que expresse na terra a realidade histórica
do Reino. Do ponto de vista histórico, Jesus foi um mártir e sua fidelidade ao
projeto da cruz demonstra sua filiação divina. Ao morrerem por causa da fé
cristã, testemunhando-a na história, os mártires radicalizam o seguimento de
Jesus, assumindo a sua cruz como total fidelidade ao projeto do Reino de Deus.
Fonte: GONÇALVES, P. S. L.; Liberationis Mysterium, Roma:
Editrice Pontifícia Università Gregoriana, 1997, p. 201-206.
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