domingo, 13 de outubro de 2013

A importância do querigma para Bultmann



Ao estudar os evangelhos sinóticos Bultmann também constatou:
‘Conforme mostra a tradição sinótica, a comunidade primitiva retomou a pregação de Jesus e continuou a anunciá-la. E na medida em que o fez, Jesus tornou-se para ela o mestre e profeta. Mas ele é mais: é, ao mesmo tempo, o Messias; e assim ela passa a anunciar – isso é o decisivo – simultaneamente a ele mesmo. Ele, antes o portador da mensagem, foi incluído na mensagem, é seu conteúdo essencial. O anunciador tornou-se o anunciado’[1].

Contudo, é preciso alertar que não há uma transposição direta de conteúdo. Bultmann rejeita qualquer tentativa de continuidade entre o histórico e a pregação. Para a comunidade primitiva, donde se origina os evangelhos sinóticos, está claro que Jesus, ao ser anunciado como messias, o é na expectativa apocalíptica. Ou seja, como o messias que há de vir. ‘Não se espera a sua volta como Messias, e sim, sua vinda como Messias[2]’. Para a comunidade primitiva sua atuação no passado, na história, ainda não é uma atuação messiânica.

Essa figura mítica do messias, bastante presente nos moldes da consciência escatológica do judaísmo, é transposta para Jesus quando Deus o ressuscita. Então, o mestre e profeta crucificado é exaltado como Cristo e Senhor e virá nas nuvens do céu para o julgamento e para trazer a salvação do Reino de Deus. É esse o momento em que o mito indefinido do judaísmo ganha uma personificação bem definida e concreta. O mito foi transferido para um ser humano histórico dando-lhe uma força imensurável.
Bultmann vai ainda mais longe. Para ele, a comunidade primitiva não fundamenta a importância messiânica de Jesus no fato de ele ter uma “personalidade” com força impressionante. Da mesma forma, a comunidade primitiva está longe de compreender sua morte de cruz como um gesto de sacrifício heróico.
‘No querigma da comunidade não tem relevância que, como milagreiro, como exorcista, ele tenha atuado de forma assustadora, “numinosa” – as passagens que expressam ou indicam algo nesse sentido, todavia, são parte da redação dos evangelistas e não são tradição antiga; ela anunciou a Jesus como o profeta e mestre, e além disso como o “Filho do homem” vindouro, mas não como Theios aner [homem divino] do mundo helenista, que de fato é uma figura “numinosa”; foi só com o crescimento da lenda em solo helenista que a figura de Jesus foi adaptada a do Theios aner[3]’.

Do ponto de vista histórico, a única constatação possível é que o “fenômeno Jesus” se prolongou na comunidade primitiva, e sua pregação se tornou, em certo sentido, objeto da pregação dos apóstolos e de anunciador Jesus foi transformado pelos apóstolos em anunciado.

Porém, essa identificação existencial não autoriza uma continuidade de identidade de sujeitos, isto é, a identidade do Jesus histórico como um prolongamento tal e qual caracterizando a identidade do Cristo da fé.

A crítica histórica não conseguiu reconstruir uma figura de Jesus que pudesse transpor os níveis da suposição, nem conjecturas de construções éticas e psicológicas. Para Bultmann, os textos tomados em sua forma, eivados de mitos, são insuficientes para uma adesão de fé e, por isso, incapazes de proporcionar a salvação. Essa constatação justifica a necessidade de um amplo processo de demitização para chegar ao conteúdo das escrituras que é expresso no querigma.
O cristianismo começa com a experiência da páscoa e com o querigma da Igreja. Bultmann faz um corte radical entre Jesus, o personagem histórico, e o cristianismo que deriva da pregação do Cristo exaltado e glorificado. O Jesus da história e o Cristo do querigma figuram, na teologia bultmanniana, como duas grandezas distintas.




Fonte: http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/16459/16459_3.PDF




[1] Rudolf BULTMANN, Teologia do Novo Testamento, Santo André: Academia Cristã, 2008, p. 74.
[2] Ibid., p. 75
[3] Ibid., p. 76.


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