Ao estudar os evangelhos sinóticos
Bultmann também constatou:
‘Conforme mostra a tradição sinótica, a
comunidade primitiva retomou a pregação de Jesus e continuou a anunciá-la. E na
medida em que o fez, Jesus tornou-se para ela o mestre e profeta. Mas ele é
mais: é, ao mesmo tempo, o Messias; e assim ela passa a anunciar – isso é o
decisivo – simultaneamente a ele mesmo. Ele, antes o portador da mensagem, foi
incluído na mensagem, é seu conteúdo essencial. O anunciador tornou-se o
anunciado’[1].
Contudo, é preciso alertar que não há
uma transposição direta de conteúdo. Bultmann rejeita qualquer tentativa de
continuidade entre o histórico e a pregação. Para a comunidade primitiva, donde
se origina os evangelhos sinóticos, está claro que Jesus, ao ser anunciado como
messias, o é na expectativa apocalíptica. Ou seja, como o messias que há de
vir. ‘Não se espera a sua volta como Messias, e sim, sua vinda como Messias[2]’.
Para a comunidade primitiva sua atuação no passado, na história, ainda não é
uma atuação messiânica.
Essa figura mítica do messias, bastante
presente nos moldes da consciência escatológica do judaísmo, é transposta para
Jesus quando Deus o ressuscita. Então, o mestre e profeta crucificado é
exaltado como Cristo e Senhor e virá nas nuvens do céu para o julgamento e para
trazer a salvação do Reino de Deus. É esse o momento em que o mito indefinido
do judaísmo ganha uma personificação bem definida e concreta. O mito foi
transferido para um ser humano histórico dando-lhe uma força imensurável.
Bultmann vai ainda mais longe. Para ele,
a comunidade primitiva não fundamenta a importância messiânica de Jesus no fato
de ele ter uma “personalidade” com força impressionante. Da mesma forma, a
comunidade primitiva está longe de compreender sua morte de cruz como um gesto
de sacrifício heróico.
‘No querigma da comunidade não tem
relevância que, como milagreiro, como exorcista, ele tenha atuado de forma
assustadora, “numinosa” – as passagens que expressam ou indicam algo nesse
sentido, todavia, são parte da redação dos evangelistas e não são tradição
antiga; ela anunciou a Jesus como o profeta e mestre, e além disso como o
“Filho do homem” vindouro, mas não como Theios aner [homem divino] do mundo
helenista, que de fato é uma figura “numinosa”; foi só com o crescimento da
lenda em solo helenista que a figura de Jesus foi adaptada a do Theios aner[3]’.
Do ponto de vista histórico, a única
constatação possível é que o “fenômeno Jesus” se prolongou na comunidade
primitiva, e sua pregação se tornou, em certo sentido, objeto da pregação dos
apóstolos e de anunciador Jesus foi transformado pelos apóstolos em anunciado.
Porém, essa identificação existencial
não autoriza uma continuidade de identidade de sujeitos, isto é, a identidade
do Jesus histórico como um prolongamento tal e qual caracterizando a identidade
do Cristo da fé.
A crítica histórica não conseguiu
reconstruir uma figura de Jesus que pudesse transpor os níveis da suposição,
nem conjecturas de construções éticas e psicológicas. Para Bultmann, os textos
tomados em sua forma, eivados de mitos, são insuficientes para uma adesão de fé
e, por isso, incapazes de proporcionar a salvação. Essa constatação justifica a
necessidade de um amplo processo de demitização para chegar ao conteúdo das
escrituras que é expresso no querigma.
O cristianismo começa com a experiência
da páscoa e com o querigma da Igreja. Bultmann faz um corte radical entre
Jesus, o personagem histórico, e o cristianismo que deriva da pregação do
Cristo exaltado e glorificado. O Jesus da história e o Cristo do querigma
figuram, na teologia bultmanniana, como duas grandezas distintas.
Fonte:
http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/16459/16459_3.PDF
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