Segundo o
alexandrino, Deus criou homens, anjos, demônios, participando todos de uma
mesma natureza, sem distinção de nenhum gênero. Mas deu-lhe o livre arbítrio.
Por este, alguns escolheram afastar-se de Deus, explicado muitas vezes pelo fastídio
a sua contemplação. Assim, distanciando-se Daquele que constitui-se Luz, Perfeição
e Espírito por excelência, acabariam por perder estas mesmas características e qualidades.
Passariam da possessão de corpos “cintilantes” etéreos, a corpos materiais e corruptíveis;
de seres envoltos em luz, a seres agora suscetíveis a verem-se envolvidos pelas trevas;
da perfeição, ainda que não a mesma de Deus, a imperfeição inerente ao próprio
estado de ser no mundo e do mundo. Mas a existência terrena, a matéria, não é para
Orígenes má em si mesma, como o eram para os gnósticos e para algumas correntes
filosóficas como os pitágoricos e neo-platonicos.
O mundo, segundo Orígenes, fora dado ao homem, depois de sua queda
da preexistência, não para corrompe-lo em uma absoluta e irreversível danação,
mas para educá-lo; isto é, embora fosse maligno, em alguma medida para o
humano, não o seria em sua essência, de forma que poderia levar mesmo o homem a
pecar, a ser tentado, a
corrupção, mas não para perdê-lo, pois toda a criatura racional fora criada, por
essência e direito, a voltar-se as coisas celestes, uma vez que, naquele lugar,
por primicia e sustância, originado. O homem poderá assim, em mais ou menos
tempo, mas de fato, superar a provação do mundo, escapando dos seus pecados ou
purificando-se destes pelos sofrimentos da condição terrena. Teria toda a
condição e direito de galgar o estado dos bem-aventurados, ou seja, o mesmo que
ele deixou anteriormente, por seu livre arbítrio.
O fim do mundo, então, e a
consumação final ocorrerá quando cada um seja submetido ao castigo por seus
pecados; um tempo que só Deus conhece, quando ele outorgará a cada um o que
merece Pensemos, em verdade, que a bondade de Deus em Cristo, levará a todas
suas criaturas a um final; até seus inimigos serão conquistados e submetidos. Tratado dos Princípios. Tradução e
adaptação de Alfonso Ropero. Barcelona: Clie, 2002. Livro I, 6,1.
Mas os
castigos pelos pecados são corretivos e não punitivos, pois ao fim todos se salvarão;
não há em Orígenes a idéia de um lugar de castigo eterno e inextinguível, o que
claramente lhe causou muitos reproches pela Igreja. O mundo, a existência
terrena, é como um intervalo entre a vida bem-aventurada de antes e de depois,
ou seja, a mesma, interrompida pela vida terrena que teria por objetivo último
instruir e mostrar aos homens a superioridade daquela que perderam quando se
encontrvam na preexistência, podendo agora voltar para lá muito mais
conscienciosos de todo aquele bem.
Os que foram tirados de seu
primeiro estado de bem aventurança nãoforam tirados irreparavelmente,
senão que foram colocados baixo aregra das ordens santas e
benditas que temos descrito, para que servindo-se de sua ajuda estes
sejam remodelados por seus princípios da disciplina, e assim possam
recupera-se, e ser restaurado a sua condição de felicidade. Por isso
sou da opinião, até onde posso ver, que esta ordem da raça humana há
sido designada para que no mundo futuro, ou na era do porvir,
quando será o céu novo e a terra nova, profetizada por Isaias, possa ser
restaurada a esta unidade prometida pelo Senhor Jesus na sua oração a
Deus Pai, em nome de seus discípulos [...] ORÍGENES. Tratado dos Princípios.
Tradução e adaptação de Alfonso Ropero. Barcelona: Clie ,2002. Livro I, 6, 2.
Insistamos;
depois de passar por este mundo ordinário e material, o homem, salvo mais do
que pela graça direta de Deus, por sua escolha em consenti-la, deixar-se-á conduzir-se e
auxiliar-se no bem e em direção a este, para que possa novamente entrar no estado da
bem-aventurança, que longe de ser um estado e um lugar inaudito, seria sua mais antiga e primeira
morada, aquela de antes da queda.
[...] e opino em verdade que já
que a consumação final dos santos será no reino “do invisível e o eterno”
(2Cor.4,18) , temos que concluir, como freqüentemente temos
assinalado nas páginas precedentes, que as criaturas racionais tiveram um
momento inicial semelhante ao que será aquele momento final, e que
seu começo foi semelhante ao fim que lhes espera , em sua condição
inicial existiram no reino “do invisível e eterno” [...]. Ibid. Livro III, 5, 283
Daqui, pode-se compreender o conceito de apocatástases, ou seja, retorno, restituição dos homens a sua condição original. Insistamos também, que a apocatástases, é universal, pois todos em tudo voltarão ao Criador. Deste modo, por mais que defenda Orígenes o livre-arbítrio, este tem, por assim dizer, um caminho único e imperativo, o da escolha do bem, à volta a Deus. A bondade de Deus e o estado primogênito do homem, ou
seja, aquele de perfeição igual a dos anjos, dada a ele quando estava no início de
tudo, conduziria e se imporia necessariamente até mesmo ao seu livre-arbítrio. O homem pode
escolher os caminhos, mais ou menos difíceis, mais ou menos distantes, mas seu ponto
de chegada será necessariamente o de partida, o seio de Deus, pois foi criado bom, embora sua bondade
não seja tão perfeita quanto a de Deus.
Conseqüentemente devemos supor
que na consumação e a restauração de todas as coisas, quem alcançam
um avanço gradual, e quem ascendam a escala da perfeição,
chegaram na medida prevista e ordenada, àquela terra e àquela
educação que representa, onde possam ser preparados para melhor
instituições as que nenhuma adição pode ser feita [...]. ORÍGENES. Tratado dos Princípios.
Tradução e adaptação de Alfonso Ropero. Barcelona: Clie, 2002. Livro III, 6, 9.
O atingimento
do paraíso será gradual, como seu mesmo estado, pois parece que para
Orígenes estaria composto por diversos estados de perfeição. Mas, de qualquer forma, todos
os homens a ele chegarão, pois por mais que o livre-arbítrio tenha o separado
daquele estado, não pode mudar sua natureza nem sua direção imperativa e estabelecida
para ele. Uma vez que todos foram criados tendo uma mesma natureza, ou ainda, seres
bons, e para este fim, Orígenes conjetura inclusive a salvação do diabo, a menos que a
insistência no erro, no mal, na não existência, possa converter-se de atitude desviante em natureza.
Segundo
Orígenes, o diabo fora criado sem mancha como todas as inteligências na preexistência,
perdida pela queda causada pelo livre-arbítrio. Assim, mesmo tendo sido o mais preeminente
entre os rebeldes contra a natureza de Deus, pode, por sua natureza primordial,
também ser salvo e
voltar-se “aquele estado de bondade inicial”, embora a bondade em essência
somente se considera apanágio
de Deus. Mas Orígenes também conjetura a possibilidade de a insistência no
erro, na apostasia,
enfim, no afastamento do bem em direção a uma existência maligna, poder vir a converter-se
natureza mesma, ou seja, a índole, por si mutável e variável, poder tornar-se
um estado definitivo, na
medida em que elege e pratica-se, tenaz e insistentemente, uma de suas
tendências; assim
obrando-se mal por inteireza de tempo e intenções, um espírito essencialmente
bom, como o diabo, pode
converter-se em um espírito mal. De toda forma, a conversão e a salvação do
diabo foram uma das
teorias de Orígenes que mais dissabores lhe causaram a sua memória,
principalmente no século IV, em função dos anátemas
aos origenistas. Ibid. Livro I, 5,6
Fonte: AMARAL, R. ORÍGENES: UM ASCETA CONDESCENDENTE COM A MATÉRIA. A AMBIGUIDADE ESPIRITUAL-MATERIAL NA EXISTÊNCIA BEM-AVENTURADA, in: Revista de História e estudos culturais, Julho/Agosto/Setembro de 2009, v. 6, n.3.
Saõ tomás de aquino em sua angeologia ja explicou que os demonios são resolutos e escolheram definitivamente a separação de Deus.
ResponderExcluirDevemos rezar por todos, amigos e inimigos. Pelos amigos, é fácil, não há grande mérito. No entanto, pelos inimigos exige esforço e caridade. Rezar pelos demônios supõe que toda a criação divina revela beleza, verdade e bondade (São Tomás de Aquino) e que as criaturas livres (homens e anjos) podem amadurecer e se converter ao Amor de Deus. Não há caso perdido! Todos são chamados à felicidade eterna.
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