O motivo da anastasis, ou descida
do Salvador ao Limbo, aparece pela primeira vez no Evangelho apócrifo de
Nicodemos e se difundiu no Ocidente através do Speculum Humanae Salvationis de
Vincent de Beauvais e a Legenda Áurea de Jacobo da Vorágine. O tema, não
apresentado pelos evangelhos canônicos, foi objeto de dissertações teológicas
pelo fato de que a descida ao Limbo de Cristo poderia ter ocorrido antes da
ressurreição, e por isso com forma de espírito, ou logo após a ressurreição,
isto é, inclusive fisicamente. Se do ponto de vista teológico prevaleceu a
opinião da descida ao Limbo do espírito de Cristo durante três dias antes da
ressurreição, do ponto de vista iconográfico, pela dificuldade em representar
uma alma sem corpo, se optou pela figura de Cristo já com seu corpo.
A arte oriental e a ocidental
deram um significado diferente a iconografia da descida ao limbo: de fato na
arte bizantina a anastasis substitui a ressurreição, enquanto que no ocidente
constitui dois motivos paralelos e independentes em que as vezes a descida ao
limbo sofre contaminações da iconografia do juízo universal.
Outra dificuldade de
representação iconográfica do tema está constituída pelo fato de que a descida
ao limbo, com a entrada de Cristo no limbo está associada a libertação dos
justos não batizados. De fato, era difícil representar Cristo tentando abrir as
portas do Hades, vencendo Satanás e ou o monstruoso Leviatã, e ao mesmo tempo
tentando tirar de lá um grande número de figuras. O Limbo, um lugar intermediário
entre o paraíso e o inferno, acolhia todos aqueles que não haviam podido receber o batismo porque tinham vivido antes
da vinda de Cristo, ou porque morreram antes de recebe-lo. Segundo o esquema
mais frequente, Cristo armado com a cruz da ressurreição, derruba as portas dos
infernos (as vezes dispostas em forma de cruz), cujas as dobradiças caem
golpeando Satanás e prende a extremidade de sua cruz na garganta de Leviatã;
superados estes obstáculos, toma pelo braço Adão, o primeiro a ser libertado,
atrás do qual se encontram os patriarcas e os justos a espera da salvação. A
dualidade deste tema, vitória sobre Satanás e a libertação de Adão pode ter
tido sua origem na arte imperial de Roma e de Bizâncio, onde o imperador,
vencedor contra os inimigos, se convertia no libertador de um povo.
No grupo dos justos as vezes
pode-se reconhecer além de Adão, também Eva, que é uma invenção pós-bizantina
dado que não se menciona no evangelho de Nicodemos, ajoelhada com as mãos
estendidas até Cristo ou de lado com as mãos cobertas enquanto Adão beija as
mãos do Salvador; na arte oriental os primeiros pais se representam vestidos,
enquanto que no ocidente se prefigura geralmente representados nus como estavam
antes do pecado original. Bem atrás aparecem as vezes Abel, identificado pelo
cajado de pastor, o patriarca Abraão, David que tira uma ovelha das garras de
um urso, Salomão, Sansão que abre as mandíbulas do leão, João Batista como dedo
levantado para indicar suas pregações, e o bom ladrão em que Cristo na cruz
havia prometido a salvação e um grupo de outros justos. Em outras
representações, estes aparecem descritos acorrentados, ou ardendo entre as
chamas ou inclusive lançados num profundo poço sem água.
Na arte medieval, o tema da
descida ao limbo acompanhou mais de uma vez prefigurações bíblicas, enquanto
que no Renascimento a representação do limbo foi substituída pelo Hades pagão,
presidida por Plutão e defendido pelo cachorro tricéfalo Cérbero, que vigia a
entrada.
Um dos primeiros exemplos da
descida ao limbo da arte bizantina pode encontrar na Basílica de São Marco de
Veneza (séc. V) em que Cristo toma pela mão um patriarca. Ainda no âmbito da
arte bizantina dos séc XI e XII deve-se pensar nos mosaicos de São Marcos de
Veneza, de Torcello e de Monreale, e posteriormente (séc, XVI) nos afrescos do
convento de Dochiariou no Monte Athos, em que Cristo derruba as portas do
Hades, que ao cair forma uma cruz.
As primeiras representações na
arte ocidental estão nos afrescos de Santa Maria Antiqua de Roma (séc VIII) nos
quais os números das figuras é ainda reduzido e na Igreja subterrânea de São
Clemente de Roma (séc. X). Estão presentes também em uma janela da catedral de
Le Mans (séc, XII) em que mostra as almas dos justos estendidas até Cristo,
enquanto que Cristo tenta impedi-las, e em um afresco de Nicolás Verdún (altar
de Klosterneuburg, séc. XII) Cristo põe uma mão sobre o ombro de Adão e toma a
mão de Eva com a outra.
Muitas outras obras a partir do
século XIII ilustraram a cena da descida de Cristo ao limbo. Interessante notar
que exceto em raras ocasiões, a iconografia da descida ao limbo desapareceu do
repertório da arte cristã a partir do séc. XVIII.
Tradução: Roberto Marcelo da Silva
FERRERI, R. Descenso al limbo,
in: Diccionarios San Pablo, Iconografía y arte Cristiano, Madrid: San Pablo,
2004, p. 551-552.
Nenhum comentário:
Postar um comentário