quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Descida de Cristo ao limbo


O motivo da anastasis, ou descida do Salvador ao Limbo, aparece pela primeira vez no Evangelho apócrifo de Nicodemos e se difundiu no Ocidente através do Speculum Humanae Salvationis de Vincent de Beauvais e a Legenda Áurea de Jacobo da Vorágine. O tema, não apresentado pelos evangelhos canônicos, foi objeto de dissertações teológicas pelo fato de que a descida ao Limbo de Cristo poderia ter ocorrido antes da ressurreição, e por isso com forma de espírito, ou logo após a ressurreição, isto é, inclusive fisicamente. Se do ponto de vista teológico prevaleceu a opinião da descida ao Limbo do espírito de Cristo durante três dias antes da ressurreição, do ponto de vista iconográfico, pela dificuldade em representar uma alma sem corpo, se optou pela figura de Cristo já com seu corpo.

A arte oriental e a ocidental deram um significado diferente a iconografia da descida ao limbo: de fato na arte bizantina a anastasis substitui a ressurreição, enquanto que no ocidente constitui dois motivos paralelos e independentes em que as vezes a descida ao limbo sofre contaminações da iconografia do juízo universal.

Outra dificuldade de representação iconográfica do tema está constituída pelo fato de que a descida ao limbo, com a entrada de Cristo no limbo está associada a libertação dos justos não batizados. De fato, era difícil representar Cristo tentando abrir as portas do Hades, vencendo Satanás e ou o monstruoso Leviatã, e ao mesmo tempo tentando tirar de lá um grande número de figuras. O Limbo, um lugar intermediário entre o paraíso e o inferno, acolhia todos aqueles que não haviam podido  receber o batismo porque tinham vivido antes da vinda de Cristo, ou porque morreram antes de recebe-lo. Segundo o esquema mais frequente, Cristo armado com a cruz da ressurreição, derruba as portas dos infernos (as vezes dispostas em forma de cruz), cujas as dobradiças caem golpeando Satanás e prende a extremidade de sua cruz na garganta de Leviatã; superados estes obstáculos, toma pelo braço Adão, o primeiro a ser libertado, atrás do qual se encontram os patriarcas e os justos a espera da salvação. A dualidade deste tema, vitória sobre Satanás e a libertação de Adão pode ter tido sua origem na arte imperial de Roma e de Bizâncio, onde o imperador, vencedor contra os inimigos, se convertia no libertador de um povo.

No grupo dos justos as vezes pode-se reconhecer além de Adão, também Eva, que é uma invenção pós-bizantina dado que não se menciona no evangelho de Nicodemos, ajoelhada com as mãos estendidas até Cristo ou de lado com as mãos cobertas enquanto Adão beija as mãos do Salvador; na arte oriental os primeiros pais se representam vestidos, enquanto que no ocidente se prefigura geralmente representados nus como estavam antes do pecado original. Bem atrás aparecem as vezes Abel, identificado pelo cajado de pastor, o patriarca Abraão, David que tira uma ovelha das garras de um urso, Salomão, Sansão que abre as mandíbulas do leão, João Batista como dedo levantado para indicar suas pregações, e o bom ladrão em que Cristo na cruz havia prometido a salvação e um grupo de outros justos. Em outras representações, estes aparecem descritos acorrentados, ou ardendo entre as chamas ou inclusive lançados num profundo poço sem água.

Na arte medieval, o tema da descida ao limbo acompanhou mais de uma vez prefigurações bíblicas, enquanto que no Renascimento a representação do limbo foi substituída pelo Hades pagão, presidida por Plutão e defendido pelo cachorro tricéfalo Cérbero, que vigia a entrada.

Um dos primeiros exemplos da descida ao limbo da arte bizantina pode encontrar na Basílica de São Marco de Veneza (séc. V) em que Cristo toma pela mão um patriarca. Ainda no âmbito da arte bizantina dos séc XI e XII deve-se pensar nos mosaicos de São Marcos de Veneza, de Torcello e de Monreale, e posteriormente (séc, XVI) nos afrescos do convento de Dochiariou no Monte Athos, em que Cristo derruba as portas do Hades, que ao cair forma uma cruz.

As primeiras representações na arte ocidental estão nos afrescos de Santa Maria Antiqua de Roma (séc VIII) nos quais os números das figuras é ainda reduzido e na Igreja subterrânea de São Clemente de Roma (séc. X). Estão presentes também em uma janela da catedral de Le Mans (séc, XII) em que mostra as almas dos justos estendidas até Cristo, enquanto que Cristo tenta impedi-las, e em um afresco de Nicolás Verdún (altar de Klosterneuburg, séc. XII) Cristo põe uma mão sobre o ombro de Adão e toma a mão de Eva com a outra.

Muitas outras obras a partir do século XIII ilustraram a cena da descida de Cristo ao limbo. Interessante notar que exceto em raras ocasiões, a iconografia da descida ao limbo desapareceu do repertório da arte cristã a partir do séc. XVIII.

Tradução: Roberto Marcelo da Silva


FERRERI, R. Descenso al limbo, in: Diccionarios San Pablo, Iconografía y arte Cristiano, Madrid: San Pablo, 2004, p. 551-552.

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