terça-feira, 29 de outubro de 2013

O Paraíso e suas fundamentações

Etimologicamente, paraíso deriva do persa ‘pardê’ ou ‘pairidaeza’, que significa recito, jardim, pomar circundado de muros. Em hebraico, emprega-se o termo ‘gan’, que significa vergel, ou seja, uma terra fértil, rica de água e vegetação. A Septuaginta o traduziu por ‘paràdeisos’, as antigas versões latinas e S. Jerônimo por ‘paradisus, as línguas modernas por ‘paradiso’, ‘paraíso’, ‘paradis’, ‘Paradies’, ‘paradise’.
Segundo a ciência das religiões, a representação do paraíso está presente em quase todos os povos, nos relatos e nos mitos da criação do homem. Geralmente, o paraíso corresponde a um período ou a um lugar em que os antepassados viveram em total harmonia com a criação, com a divindade, consigo mesmos, sem trabalhar, sem sofrimentos físicos e morais, sem a experiência da morte.
Esta condição ideal de existência foi perdida em decorrência de uma desobediência dos antepassados a uma ordem divina, e será recuperada ao final dos tempos, após um juízo universal.
No islã, o paraíso é a morada eterna dos fiéis, após a ressurreição e o juízo final. Para o masdeísmo, o paraíso corresponde a uma transfiguração do mundo, em conclusão do drama cósmico. Nas religiões orientais do budismo e do hinduísmo, o paraíso é concebido como ‘nirvana’, como superação do efêmero, do transitório, do precário, e portanto da dor e da morte. O paraíso está substancialmente dentro do homem, como realização do eu espiritual e divino.
Para o AT, o texto bíblico fundamental é o relato javista da criação de Gn 2, em que se diz que Deus colocou o homem no jardim (2,8), para que desfrute da árvore da vida, e que o expulsou dele por causa da desobediência ao que ele prescrevera. (3,23).
Este relato tem analogias com os relatos dos povos orientais, mas deles se distingue pelo fato de os protagonistas e o ambiente da história humana perderem o halo mítico e adquirirem feições conhecidas e determinações concretas: o jardim de Deus é um espaço geograficamente determinado, e os progenitores desempenham atividades humanas normais. O mito sofre uma transformação histórico-salvífica e é utilizado para elaborar uma etiologia do ingresso do m al n o mundo, e uma espécie de teodiceia universal, para retirar de Deus a responsabilidade pelo mal físico e moral.
Nos outros textos do AT, o paraíso é um termo empregado para indicar a fecundidade e a alegria. Com base na convicção de que o tempo do fim será como o tempo do início, os profetas recorrem à imagem do paraíso, para representar o futuro de felicidade e de paz do povo messiânico (Ez 36,35; Is 51,3).
A apocalíptica judaica indica como paraíso um ‘jardim de delícias’, no qual cresce a árvore da vida e no qual estão protegidos os justos, à espera do dia do juízo e da ressurreição final. É nesse contexto que deve ser entendido o termo paraíso nas parábolas de Jesus, quando promete este jardim a um dos ladrões crucificados com ele: ‘em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso’ (Lc 23,43). Por paraíso, Jesus entende a salvação e a vida eterna, que consiste em estar com Ele, novo Adão (Rm 5,14; !Cor 15,45) que venceu a antiga serpente (Ap 20,2) e que introduziu toda a humanidade no estado da salvação escatológica.
O termo paraíso, no NT, encontra-se outras duas vezes: em S. Paulo, que, para expressar uma experiência mística própria, diz de si mesmo que ‘foi arrebatado ao paraíso’ (2Cor 12,4), e no Apocalipse, em que se afirma que Cristo ressuscitado ‘ao vencedor dará de comer da árvore da vida, que está no paraíso de Deus’ (Ap 2,7).
Embora no NT paraíso indique a morada dos justos que esperam o dia do juízo, a linguagem e a tradição cristãs, contudo, comumente empregaram essa expressão para indicar a vida eterna com Deus em Cristo e a condição dos justos que vivem eternamente com Deus. A própria liturgia das exéquias ao fazr a despedida do morto, pede: ‘in Paradisum deducant te angeli’, que os anjos te levem ao paraíso.
O Catecismo da Igreja Católica, por sua vez, considera o paraíso como ‘justiça original’ (n. 376), ou seja, a amizade da pessoa com o Criador e a plena harmonia consigo mesmo e com a criação (n. 374). ‘Interpretando de maneira autentica o simbolismo da linguagem bíblica à luz do Novo Testamento e da Tradição, a Igreja ensina que os nossos primeiros pais Adão e Eva foram constituídos em estado de santidade e justiça original. Esta graça da santidade original era uma participação da vida divina’ (n. 375). Nesse estado de justiça original, ‘o homem estava intacto e ordenado em todo o seu ser, porque livre da tríplice concupiscência que o submete aos prazeres dos sentidos, à cobiça dos bens terrestres e à autoafirmação contra os imperativos da razão’ (n. 377).
Fonte: SANNA, I., Paraíso, in: Lexicon - dicionário teológico enciclopédico, São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 569-570.

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