A expressão ‘Senhor’ nos reporta ao uso
pós-pascal, onde a palavra assume alcance superior, designando a Jesus na
soberania manifestada por sua elevação ‘à direita de Deus’ (Lc 1, 43; 2, 11.26;
7,13) Ele é o Senhor a quem se invoca (At 7, 59s), ‘o Senhor de todos’ (At
10,36). A expressão Senhor passa a ter uma equivalência equivalente a ‘Deus’
(‘Meu Senhor e meu Deus!’ – Jo 20, 28). E devemos acentuar a confissão cristã: ‘Se teus lábios confessam que Jesus é
Senhor e se teu coração crê que Deus o ressuscitou dentre os mortos serás
salvo’ (Rm 10,9). O senhorio de Jesus não elimina o de Deus Pai, mas diz que a
partir da ressurreição se exprime a comunhão de Jesus com a soberania do Pai.
Na origem desse uso não está à
influência do helenismo, que assim intitulava as divindades ou os imperados. O
termo YHWH (e Adonai) foi traduzido pela expressão grega KYRIOS na LXX[1]. Pois,
ele é verificado a comunidade palestinense anteriormente a qualquer possível
influência helenística (E, ouvindo o rei
Davi todas estas coisas, muito se lhe acendeu a ira - 2 Samuel 13, 21; Então tinha o rei Davi saudades de Absalão;
porque já se tinha consolado acerca da morte de Amnom 2 Samuel 13, 39). Do
primitivo uso palestinense ficou a invocação aramaica ‘Marana thá’ (Vem,
Senhor)[2].
Fonte: GOMES, C. F.; Riquezas da
Mensagem Cristã. Rio de Janeiro: Edições ‘LUMEN CHRISTI’, 1989, p. 304.
[1] ‘Aqui
também, na tradução grega dos LXX, encontramos ao lado do uso profano da
palavra Kyrios, seu emprego em sentido absoluto, onde Kyrios torna-se o nome de
Deus e serve para traduzir Adonai e JHWH (CULLMANN, O. Cristologia do Novo
Testamento, São Paulo: Editora Liber p. 264).
[2]
Verbete MARANATHA, Dicionário Bíblico, John Mackenzie, p. 579-580, 1983; Na
língua corrente, mari é uma maneira particularmente respeitosa de dirigir-se a
alguém, algo assim como rabbí, que se emprega da mesma maneira. (...) não temos
o direito de negar a priori a possibilidade de uma evolução análoga para a
palavra aramaica mari: este vocábulo, que ao princípio só denotava as relações
entre Jesus e seus discípulos durante sua vida terrestre, pôde chegar ao Kyrios
Iesous (...) Não podemos trazer a prova desta evolução senão quando examinarmos
a fé pós-pascal da comunidade no Cristo glorificado. Se os discípulos que,
durante a vida de Jesus, haviam simplesmente expressado com as palavras ‘meu
Senhor’ sua reverência pelo mestre, depois de sua ressurreição empregaram o mesmo
termo para designar o Cristo glorificado presente em seu culto, e para
reconhecer diante d’Ele um direito total sobre eles, temos um fundamento para
admitir uma passagem, sobre o próprio terreno do cristianismo, do aramaico mari
ao grego kyrios. Em se tratando de mostrar que, por analogia ao kyrios
helenístico e ao Adon hebraico, é filologicamente possível que a palavra
aramaica mar, empregada primeiro em sentido profano, tenha sido por fim
empregada no sentido teológico do grego kyrios, com a condição de que, todavia,
esta evolução teológica valesse já para os discípulos palestinos, que falavam
aramaico. Ora, veremos que se deve admiti-lo. O elo que une, do ponto de vista
teológico e filológico, mari e kyrios, é a invocação cultual aramaica Maranatha
(CULLMANN, O. Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Editora Liber p.
266-267).
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