A liturgia bizantina do domingo de Páscoa é muito peculiar. Ela apresenta
em seu desenvolvimento o tema da descida de Cristo aos infernos: a Igreja é
fechada, mergulhada na obscuridade, o padre bate a porta, do lado de fora, com
a cruz, por três vezes, dizendo: ‘Abra as portas ao Senhor dos poderes, ao rei
da glória!’
No interior, o sacristão faz um barulho de correntes e de ferros, como
para exprimir certa resistência, logo após a porta é aberta.
Ilumina-se, então, a Igreja e a perfuma com incenso.
No centro, no púlpito, diante do iconóstase, é exposto o ícone da
Descida aos infernos ornado de flores.
Para os fiéis reunidos na noite pascal, este ícone mostra Jesus, com a
cruz na mão, que quebra e pisa nas portas dos infernos (pregos, parafusos e
dobradiças provenientes da porta, juntam-se ao buraco negro do inferno). Ele
tira Adão das trevas da morte segurando-o pela mão; este face-a-face do
primeiro e do Novo Adão toma uma significação particular: o ícone acrescenta na
liturgia bizantina pondo fortemente o acento sobre o fato de que a Ressurreição
de Cristo anuncia a Boa Nova da ressurreição dos mortais. Isto explica a
ligação estreita entre a silhueta do Cristo ressuscitado e aquela de Adão que
ele leva em sua própria Ressurreição; exaustos, porque acordados do sono da
morte (do pecado); Adão contempla seu libertador com um olhar ao mesmo tempo de
alegria e cheio de cansaço. Ele segura sua mão tornada livre num movimento de
acolhida e de oração. Igualmente à frente, Eva ajoelhada, levanta
respeitosamente as mãos cobertas por um pano de sua veste. Atrás deles se
encontram muitas vezes Moisés, os justos do Antigo Testamento e os anunciadores
da vinda do Messias. O Cristo tem na mão um rolo (o quirógrafo, isto é, a lista
dos mortos, ou ‘as ordens que nos condenavam e que subsistia contra nós’ (Col
2,14), ou ainda, ao contrário, a Boa Nova, o Evangelho).
Um abismo se abre na terra – como no ícone do batismo de Cristo e
naquela da Crucifixão. Esta cavidade obscura lembra igualmente aquela onde o
Menino Jesus foi colocado em panos no ícone da Natividade. É uma ligação
profunda que une as duas festas da Natividade e da Páscoa.
Tradução: Roberto Marcelo da Silva
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