quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Revelação e Graça na Dei Verbum


Para manter fiel ao conceito de revelação e para salientar o caráter teologal da fé, o concílio declara inicialmente que o objeto da fé é o próprio Deus enquanto Revelador. Devemos acreditar no Deus que revela, no Deus que fala; devemos obedecer-lhe: essa é uma afirmação constante da própria revelação (Rm 16,26; 1,5; 2Cor 10,5-6; Ef 1,13; 1Cor 15,11; Mc 16,15-16) e dos textos do magistério.

Segundo concílio, essa fé estabelece entre Deus e o homem uma relação viva, de pessoa a pessoa, numa adesão total que inclui o conhecimento e o amor. É todo o homem que, livremente, se confia a Deus. Pela revelação Deus vem até o homem, condescende, patenteia-lhe os segredos de sua vida íntima, à procura de uma reciprocidade de amor. Pela fé o homem volta-se para Deus, dá-se-lhe na amizade. O final da frase explica em que consiste essa rendição do homem todo a Deus. O homem, pela fé, presta a Deus total homenagem de sua inteligência e de sua vontade, assente livremente à revelação. O concílio evita assim duas concepções incompletas da fé: uma fé-homenagem, praticamente sem conteúdo, e uma fé-adesão despersonalizada a uma doutrina. A fé cristã é indissoluvelmente dom e assenso.

A resposta do homem à revelação não é a simples resultante da atividade humana; é um dom de Deus. Não basta que o Evangelho ressoe aos ouvidos; exige-se também uma graça preveniente e adjuvante, que mova para crer e possibilite crer. A ação da graça, é , logo em seguida, descrita com termos bíblicos e mais personalistas: concretamente exigem-se auxílios do Espírito Santo que movem o coração do homem, que o convertem para Deus, que iluminam a inteligência e inclinam as potências volitivas. É o Espírito Santo que ‘dá a todos a suavidade da adesão e a crença na verdade’. Muitas vezes salienta a Escritura que, para crer, é necessária essa ação da graça que abre o espírito para a luz que vem do alto (Mt 16,17; 11,25; At 16,14; 2Cor 4,6) e atrai o homem em direção a Cristo (Jo 6,44). Essa ação interior é o testemunho do Espírito (1Jo 5,6) que age internamente para que o homem reconheça a verdade do Cristo.

É também ao Espírito e aos seus dons que devemos atribuir o aprofundamento da revelação. Pois o dom da fé é semente que deve germinar e crescer indefinidamente. Esse aprofundamento da fé, que conduz a uma superciência de Deus e de seu mistério, é obra do Espírito. Dizendo que o Espírito, com seus dons, confere uma inteligência mais profunda da revelação, o concílio novamente evidencia a ação do Espírito sobre a inteligência do crente. No movimento do homem em direção à fé, é o Espírito que abre a inteligência para esse mundo totalmente novo em que o introduz ao Evangelho. Também no interior da fé é o Espírito que desenvolve o poder de penetração da inteligência (dom da inteligência) e dispõe o fiel a compreender pelos caminhos do amor (dom da sabedoria), infundindo-lhe uma consonância afetiva que lhe torna co-natural o Evangelho.


Fonte: LATOURELLE, R. Teologia da Revelação. Edições Paulinas: São Paulo, 1985, p. 384-386.


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